29 out 2009 @ 7:05 PM 

Após votar, na sessão de ontem (28), no sentido de que o Senado Federal cumprisse imediatamente a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que cassou o mandato do senador Expedito Júnior – entendimento que acabou prevalecendo – o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, conversou com jornalistas sobre o que ele chamou “de arbitrária resistência” da Casa Legislativa em cumprir a decisão da corte eleitoral.

O ministro frisou que esta já é a quarta vez que o Congresso descumpre decisão judicial sobre questões eleitorais, sobre as quais já não há nenhuma dúvida de ordem jurídica. Celso de Mello enfatizou que ninguém – nem ministros do STF e nem congressistas – está acima da autoridade da Constituição e das leis da República. Se a decisão não for cumprida, Celso de Mello disse que os componentes da Mesa podem ser enquadrados no crime de descumprimento de ordem judicial.

O decano salientou, ainda, seu ponto de vista sobre a proposta de emenda constitucional em tramitação no Congresso que altera o instituto da prerrogativa de foro. O ministro se declarou favorável a uma nova discussão sobre o tema, que segundo ele seria uma herança do regime militar.

Leia abaixo a íntegra da entrevista, concedida na tarde desta quinta-feira (29), antes do início da sessão plenária do Supremo.

Jornalista – O STF determinou ontem, em mandado de segurança, que o Senado cumpra decisões judiciais do Tribunal Superior Eleitoral – o senhor inclusive fez um voto bem duro quanto ao desrespeito à decisão…

Ministro Celso de Mello – Já é a quarta vez em tempos recentes que as mesas do Congresso Nacional resistem ao cumprimento de decisões do TSE a propósito de uma matéria em torno da qual já não há mais qualquer dúvida de ordem jurídica, uma vez que o STF em quatro oportunidades falou que a cassação de registro ou de diploma de candidato, ou até mesmo de candidato eleito, tem fundamento no artigo 41-A da Lei das Eleições, uma regra que resultou de um projeto de lei de iniciativa popular, e que essa regra é claramente constitucional, portanto juridicamente válida. E mais, disse o STF a propósito de questões idênticas – isso disse em vezes anteriores, que a decisão do TSE tem eficácia imediata, e há de ser cumprida independentemente do trânsito em julgado. Portanto, não há mais qualquer dúvida de ordem jurídica que pudesse justificar esse tipo de resistência ao cumprimento de uma decisão judicial. Daí a observação que fiz e apenas reafirmei aquilo que o ministro Carlos Velloso já dissera em caso idêntico, só que envolvendo a Mesa da Câmara dos Deputados. Portanto, é estranho que esse comportamento institucional se manifeste.

Jornalista – Ministro, hoje, um senador disse que mesmo com a decisão do STF, mesmo tendo chegando o ofício avisando da decisão, o Senado ainda assim vai esperar a publicação do acórdão para tomar qualquer atitude. Isso não é novamente uma insistência nesse comportamento estranho?

Celso de Mello – Tratando-se de decisão do STF e havendo uma comunicação, o cumprimento há de ser imediato, sob pena de verdadeira subversão das práticas institucionais de nosso país. Os membros da Mesa do Senado da República e da Câmara dos Deputados, hão de ter consciência de que uma decisão do STF encerrando definitivamente uma controvérsia, há de ser cumprida, sob pena de a Constituição transformar-se num instrumento sujeito a indevidas manipulações, o que seria absolutamente inaceitável.

Jornalista – Há alguma punição prevista para isso, no caso de descumprimento?

Celso de Mello – O descumprimento de ordem judicial pode, até mesmo, tais sejam as circunstâncias, isso portanto reclama a análise de cada caso e de seus fatores circunstanciais, mas o descumprimento doloso de uma decisão pode bem caracterizar um crime. E caberá, então, ao procurador-geral da República – tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada – analisar a questão, uma vez que o poder de fazer instaurar procedimentos penais contra quem quer que seja, é do MP. E tratando-se de pessoas com prerrogativa de foro – e aqui um paretênsis – a questão da prerrogativa de foro precisa ser muito bem avaliada pelo STF, para evitar que determinadas autoridades simplesmente deixem de ter o mesmo tratamento que merecem os cidadãos da República.

Jornalista – O senhor viu essa PEC para modificar a prerrogativa de foro?

Celso de Mello – Eu tenho uma posição muito radical. Eu entendo que tem que ser suprimida a prerrogativa de foro. E mais do que isso. Eu observo que em se tratando de deputados e senadores, é preciso levar em consideração uma perspectiva histórica. Amanhã, é dia 30 de outubro. Precisamente há quarenta anos – no dia 30 de outubro de 1969 – entrou em vigor a chamada Emenda Constitucional nº 1, que nada mais era do que uma Carta Constitucional outorgada, imposta ao povo brasileiro pelos ministros militares, por um triunvirato militar. E eu fiz essa observação ontem no julgamento. E foi exatamente há quarenta anos que pela primeira vez os deputados federais e senadores da República passaram a ter prerrogativa de foro no STF.

Desde a primeira Constituição que o Brasil teve – que foi a Carta Política do Império do Brasil, de 1824 – até o dia 30 de outubro de 1969, deputados e senadores, no primeiro momento do Império, e, num segundo instante, deputados e senadores da República, não tinham prerrogativa de foro, e eram processados e julgados em primeiro grau, pelos magistrados de primeira instância. Tanto que o STF chegou a ter a necessidade de editar uma Súmula – a Súmula 398 – dizendo de maneira explicita que o Supremo não tinha competência para processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, deputados federais e senadores da República. Pois bem, há quarenta anos atrás, graças a um gesto de usurpação do poder, graças a um ato impregnado de ilegitimidade política, é que os deputados federais e senadores da República passaram, pela primeira vez, em toda a história política do Brasil, a ter prerrogativa de foro.

Então, é preciso analisar de novo essa matéria, para que ninguém tenha prerrogativa de foro, como acontece em muitos países. Eu dou um exemplo. Nos EUA, ninguém tem prerrogativa de foro. Membros do Congresso dos EUA são processados e julgados, pela prática de crimes comuns, por magistrados de primeiro grau. O mesmo acontecendo com governadores de estado. O próprio presidente da República, ele tem uma imunidade, a mesma imunidade de que dispõe hoje o presidente da República do Brasil, e enquanto estiver no desempenho de seu mandato, não poderá sofrer processo. Mas no momento em que ele deixar o cargo presidencial, ele estará sujeito, sim, a um tratamento processual idêntico àquele que é dispensado ao cidadão comum.

Jornalista – A ideia dos parlamentares, nesse caso, seria deixar que o STF continuasse recebendo ou não as denúncias, e só então passasse ao primeiro grau.

Celso de Mello – Essa é uma proposta interessante, do deputado Régis Fernandes de Oliveira, deputado extremamente qualificado, sério, e é uma ideia que ele propõe, talvez uma forma de transição para um regime em que afinal não mais exista, em nosso sistema constitucional, a prerrogativa de foro. Agora, de qualquer maneira, fala-se que a prerrogativa de foro tem por finalidade proteger a dignidade da função e garantir a independência daquele que dela dispõe. No entanto, o exemplo histórico brasileiro, entre 1824 e 30 de outubro de 1969, os membros do parlamento brasileiro, quer sob regime monárquico, quer na República, durante 145 anos, eles não tiveram prerrogativa de foro, e nem por isso foi conspurcada a dignidade de sua função. Nem por isso ficou comprometida a independência do exercício da atividade parlamentar. Eu não vejo razão alguma que se dispense, não é só a parlamentares, mas a todas as autoridades que hoje dispõem de prerrogativa de foro.

Poder-se-á, até, sugerir-se uma fórmula intermediária. Não se suprime, de todo, a prerrogativa de foro, de uma vez só, mas mantém-se a prerrogativa de foro unicamente em relação aos chefes dos poderes. Porque não é possível que continuemos, no presente regime, a dispensar esse tratamento que na verdade não se justifica. Basta um cotejo com a Constituição de outros países, e iremos verificar que mesmo naqueles outros países – Itália, França, Espanha, Portugal, lá há a prerrogativa de foro. Mas lá as hipóteses são tão limitadas – uma curiosidade: a Constituição monárquica brasileira previa quatro hipóteses de prerrogativa de foro. A atual Constituição, que é republicana, só em termos de Supremo, prevê nove. Por isso que costumo dizer que a Constituição de 1988, pretendendo ser republicana, foi extremamente aristocrática. Porque foi mais aristocrática do que a própria Carta Política do Império do Brasil.

Então, essa é uma questão que precisa ser discutida. E é preciso evoluir nessa matéria. Não há cidadãos especiais nesta República. A República, na verdade, repudia desequiparações.

Insisto. Fala-se que a prerrogativa de foro não tem em vista a pessoa do acusado, mas sim a natureza do seu cargo. E eu respondo com a experiência histórica brasileira. Durante 145 anos os membros do poder legislativo nacional não tiveram prerrogativa de foro. Até que foram beneficiados por um ato ilegítimo e desprezível de três ministros militares que outorgaram, que impuseram ao país, à nação, uma Carta de origem espúria, denominada Emenda Constitucional nº, uma Carta envergonhada de si própria, como eu falei ontem no julgamento. Uma Carta travestida de Emenda, mas na verdade, um verdadeiro documento constitucional que então beneficiou pela primeira vez, em toda a história política do país, membros do parlamento brasileiro.

Jornalista:

Ministro, falando um pouco mais sobre as penalidades possíveis no caso do possível descumprimento pela mesa do Senado. Que crime poderia ser imputado?

Celso de Mello:

Se se tratar de mandado de segurança, hoje a lei é muito clara: o crime é de desobediência. Não sendo um processo que tenha natureza no mandado de segurança, poderia ser outro crime, que é o crime de prevaricação, tipificado de maneira muito clara no artigo 319 do Código Penal.

Jornalista:

E no caso de um descumprimento feito pela mesa de uma casa legislativa, quem seria responsabilizado? Todos os membros?

Celso de Mello:

Aqueles que são responsáveis pela implementação, pela execução do julgado. Agora, como falei, isso precisa ser analisado caso a caso. A análise compete ao PGR, pois é dele a iniciativa da instauração do procedimento penal. Mas o que é importante dizer é que deputados federais e senadores não estão acima das leis da República, e portanto hão de receber, em matéria penal, o mesmo tratamento que é aplicado ao cidadão comum. Se eventualmente ficar configurada uma prática criminosa, seja por parte de senadores da República, seja por parte de deputados federais, caberá sim ao MP, entendendo configurados os elementos caracterizadores daquele delito, adotar as providências cabíveis. Ninguém, nem ministros do STF, e também congressistas. Ninguém, ninguém, ninguém está acima da autoridade da Constituição e das leis da República.

MB/LF

Fonte: STF

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Posted By: TFSN
Last Edit: 29 out 2009 @ 09:06 PM

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