26 ago 2009 @ 8:43 PM 

Ante a importância implícita com os temas de caráter tributário, principalmente relacionados à sua carga e influência que atingem diretamente a vida das pessoas, em particular a dos contribuintes, é que se faz necessário analisar a forma que está sendo utilizada como meio de inserção desses institutos impositivos no ordenamento jurídico brasileiro.

Com a análise efetiva dos mecanismos normativos que trazem à tona a instituição e majoração de espécies tributária, especificamente no que se refere às medidas provisórias editadas pelo poder executivo é, em verdade, uma observação crítica e minuciosa acerca desse modelo largamente utilizado no país.

Com o fito de trazer esclarecimento e acessibilizar conhecimento de modo direto e claro, o presente estudo demonstra que ao apelidar de “lei” um ato normativo criado pelas mãos do Poder Executivo, se coage a população ativamente contributiva a atrair obrigações e uma carga tributária cada vez mais dilatada por um poder que, por sua natureza, não representa a voz do povo.

Introdução

De acordo com o que propaga a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada pelos representantes do povo brasileiro em 5 de Outubro de 1988, ao constituir o país como Estado Democrático de Direito, vicejou que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, acrescentando, ainda, que a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional.

Incumbe evidenciar que os representantes do povo brasileiro, literalmente expressos na Carta Democrática, afiguram-se como membros pertencentes ao Poder Legislativo, que é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Saliente-se, ademais, que em meados do Século XVIII já dizia Montesquieu acerca da existência de três espécies de governo, sendo eles, o republicano, o monárquico e o despótico e acrescentada respectivamente a cada um deles que “Para distinguir-lhes a natureza, é suficiente a idéia que deles têm os homens menos instruídos”[1], tendo, adiante, apresentado três definições ou três fatos para conseguir evidenciar seus pensamentos quando disse que “um que o governo republicano é aquele em que o povo, como um só corpo, ou somente uma parcela do povo, exerce o poder soberano; o governo monárquico é aquele em que um só governa, de acordo, entretanto, com as leis fixas e estabelecidas; e, no governo despótico, um só indivíduo, sem obedecer a leis e regras, submete tudo à sua vontade e caprichos”[2].

Veja, então, que diante de axiomas tão bem estabelecidos quanto ao modelo republicado, especialmente quanto aos efetivos poderes concedidos aos reais representantes do povo, que pela via do mandato estão autorizados a editar leis que, em tese, emanam a vontade de seus representados.

É neste toque que surge um questionamento pertinente e real vivido na Democracia brasileira, que se refere à consideração ou não de atos ou regramentos editados por outro âmbito do poder estatal que não o legislativo, especificamente no que concerne às medidas provisórias criadas pelo Poder Executivo.

Ainda mais especificamente, se busca analisar com o presente estudo, a pertinência desses atos relativamente ao aspecto tributário da nação, questionando-se acerca do tônus de legalidade atribuído constitucionalmente a este ato propagado pelo executivo, que o exerce atipicamente, pois atividade estranha às suas reais atribuições, não se tratando de função efetivamente de essência administrativa ou executiva, mas concernente ao Poder Legislativo.

Nesta esteira, se busca examinar o tema ora suscitado através desta breve pesquisa, inaugurando no primeiro Capítulo os conceitos ínsitos no Princípio da Legalidade, mormente no que toca à esfera tributária, aclarando sua pertinência e imprescindibilidade nesse aspecto de tamanha relevância ao estado democrático brasílico.

Adiante, no segundo Capítulo, faz-se um bordado permeando o conceito, a natureza jurídica e o modo de funcionamento das medidas provisórias, bem ainda a sua pertinência e concretização na esfera dos tributos, com pertinente questionamento acerca da possibilidade de as mesmas instituírem ou majorarem suas espécies legais existentes no ordenamento jurídico.

Por fim, suscitando a mescla dos ideais traçados ao longo dos primeiros capítulos, é trazido à baila como ou se efetivamente se aplica ao instituto das medidas provisórias, o primado da legalidade, principalmente quando tais medidas se inserem no mundo jurídico com o condão de tratar de alguma espécie tributária, seja para criá-la ou majorá-la. Portanto, trazendo o historio relativo ao tema abordado, bem como as soluções vigorantes relativamente a ele, revelados essencialmente pela jurisprudência dominante nas mais altas cortes do país, realiza-se o fechamento do estudo através do terceiro Capítulo deste trabalho.

Axiomas e conceitos ínsitos no princípio

Com a Carta Democrática de 1988, vigorante há quase vinte e um anos, o Brasil adquiriu automaticamente uma gama bastante ampla de axiomas norteadores do seu ordenamento jurídico, vindicando-se, consequentemente, uma adequação imprescindível de seus diplomas legais até então reinantes.

Diversas regras e até mesmo legislações inteiras foram extirpadas por via da não recepção, ou seja, o que vinha na contra mão dos paradigmas previstos no novo pacto passou a ser simples fonte de pesquisa, sem força coercitiva alguma, vez que em desacordo com os preceitos eleitos pelo legislador constituinte e, pelo sistema de governo em voga, pelo próprio povo, através da denominada democracia semidireta.

Imprescindível analisar que o pergaminho constitucional nada mais é, do que o documento limitador das forças estatais, a força poderosa para garantir a cada um dos indivíduos integrantes do estado a restrição do seu poderio, a fim de traçar os padrões norteadores de sua função, que deve necessariamente ser restringida e despida de quaisquer arbitrariedades. Nesse prelúdio, vale introduzir os ensinamentos do constitucionalista Pedro Lenza quanto a estas questões, que são ratificadores desse ideal:

“O princípio da legalidade surgiu com o Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de poder autoritário, antidemocrático.

Mencionado princípio já estava previsto no art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. NO direito brasileiro vem contemplado nos arts. 5º, II; 37; e 84, IV, da CF/88”[3].

Veja, então, que dentre os inúmeros ideais açambarcados pela nova Constituição Federal, veio preconizado expressamente o do respeito à legalidade, assegurando a todos o direito de fazer absolutamente tudo o que a lei não veda, em termos constitucionais, somente a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de prévia estipulação legal, valendo ressaltar que o particular pode tudo o que a lei não veda, enquanto que o estado ou administração pública pode tudo que a lei autoriza. Coaduna neste sentido o recém apresentado doutrinador:

“O inciso II do art. 5º estabelece que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’. Mencionado princípio deve ser lido de forma diferente para o particular e para a administração. Vejamos:

No âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia da vontade, lembrando a possibilidade de ponderação deste valor com o da dignidade da pessoa humana e, assim, a aplicação horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, conforme estudado.

Já em relação à administração, ela só poderá fazer o que a lei permitir. Deve andar nos ‘trilhos da lei’, corroborando a máxima do direito inglês: rule of Law, not of men. Trata-se do princípio da legalidade estrita, que, por seu turno, não é absoluto! Existem algumas restrições, como as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio, (…)”[4].

Neste sentido, incumbe elucubrar acerca do que pode ser efetivamente considerado como lei, no sentido literal e até mesmo técnico do termo, especificamente para fins de submissão do particular a determinado regramento; melhor dizendo, o que é preciso efetivamente ser respeitado a título de lei? Qual o alcance desse termo previsto no ordenamento constitucional ora reinante?

São essas e outras dúvidas que circundam o tema ora analisado e que serão extensivamente estudadas ao longo da presente pesquisa.

Veja que pelo que dispõe o ordenamento norteador brasileiro, a superioridade da lei, revelada pelo Princípio da Legalidade, se faz imprescindível para o desenvolvimento do estado democrático de direito, pois como dizia com propriedade Lacordaire, “Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta”[5].

Veja que se se fizer uma análise perfunctória e histórica acerca do axioma da legalidade no Brasil, é possível verificar que excetuando-se a Constituição do Império e a de 1937, todas as outras o consagraram expressamente.

Verifica-se, no entanto, que os momentos históricos pelos quais o país atravessava ao tempo das constituições omissas quanto ao tema, justificam a sua lacuna constitucional, pois coincide exatamente com a época em que vigia a monarquia e a ditadura, sucessivamente.

A revés, em todas as constituições republicanas brasileiras, é possível vislumbrar a presença expressa e cristalina dos ideais de respeito à legalidade, nos termos do quadro sinótico a seguir elencado:
•A Constituição de 1981 estabelece em seu Artigo 72, § 1º que “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
•A Carta Magna de 1934 previu no Artigo 113, nº 2 que “A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.
•Igualmente, o Pacto Constitucional de 1946 estabelecia por intermédio do Artigo 141, § 2º que “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
•Na Constituição de 1967, o princípio veio esculpido no Artigo 150, § 2º ao estabelecer que “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Diante disso, o que se vislumbra do histórico constitucional relativamente ao Princípio da Legalidade, é praticamente um “repeteco” ipsis litteris do texto fundamental que o inaugurou até o que vigora nos dias atuais.

Esclarece Rodrigo Spessato que:

“(…) a regra de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, definida como Princípio da Legalidade, considera ‘lei’ todos os atos normativos primários conceituados no art. 59 da Constituição Federal de 1988, que trata do processo legislativo. Em outras palavras, estará respeitando o Princípio da Legalidade todo comando normativo, que obriga alguém a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, expresso ou instrumentalizado por qualquer das espécies normativas preceituadas no art. 59 da atual Carta Magna brasileira. Enfim, o termo ‘Lei”, declarado pelo Princípio da Legalidade, tem significação genérica, abrangendo todos os atos normativos primários compreendidos no processo legislativo (art. 59 da CF/88)”[6].

Neste entendimento, incumbe trasladar o comando constitucional contigo na regra suscitada pelo jurisconsulto para justificar o que se compreende como lei no ordenamento brasileiro e que, por conseguinte, deve ser respeitado em homenagem ao Princípio Constitucional da Legalidade, verbis:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I – emendas à Constituição;

II – leis complementares;

III – leis ordinárias;

IV – leis delegadas;

V – medidas provisórias;

VI – decretos legislativos;

VII – resoluções.

Parágrafo Único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Com isso, verifica-se, então, a inserção da Medida Provisória como ato normativo elaborado através do processo legislativo, pelo que a mesma passa a ser considerada com status de lei.

Tal assertiva geral, indubitavelmente, dissídios doutrinários intermináveis. No entanto, quando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe em seu bojo a Medida Provisória como instituto elaborado por intermédio legislativo, jogou uma verdadeira pá de cal nessas discussões, a exemplo do constitucionalista Pedro Lenza que frisou acerca da importância de se garantir constitucionalmente “(…) o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas próprias convicções materiais”[7].

Inegável, portanto, que no sistema procedimental das Medidas Provisórias, se verifica um truncamento quanto à participação democrática em sua implementação, pois é sabido que os representantes do povo na legislatura estão inseridos em cargos do Poder Legislativo.

O que é certo, contudo, é o fato de que a validade das medidas provisórias como lei vem prevalecendo e suscitando teorização das mais diversas, mormente no que diz respeito à finalidade precípua do instituto que, muitas vezes, acaba sendo violada em prol de situações de interesse da administração pública que, alegando relevância e urgência, institui regramentos que não deveriam ser estabelecidos por intermédios dessas medidas, o que se verá ao longo da presente abordagem.

Pertinência do princípio da legalidade quanto às matérias de ordem tributária

Conforme explanado no item antecedente, o Artigo 5º, II do Pacto Republicano viceja que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, seguindo as anteriores constituições republicanas que fizeram suas vezes de carta fundamental ao longo da história brasileira, nos termos já apresentados inicialmente.

Acresce-se a esse ideal, o que dispõe o Artigo 150, I do mesmo Diploma Democrático ao prever que “Sem prejuízo de outras garantia asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

Em decorrência disso, ao se conjugar ambos os comandos constitucionais acima descritos, se faz possível verificar que no estado republicano brasileiro se preferiu atribuir à matéria tributária uma ratificação ao Princípio Constitucional da Legalidade, dentro da própria constituição, a fim de proporcionar uma maior efetividade ao direito petreamente nela estabelecido.

Veja que tal ideal é subentendido como uma verdadeira proteção aos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária, que se representam através dos contribuintes. Sendo certo que, tal axioma se justifica porque, ao pagar tributos, seja ele representado por um imposto, por uma taxa ou contribuição de melhoria, o cidadão está, em verdade, retirando parte considerável de seu patrimônio para ser investido em prol da sociedade.

Nada obstante, se revela num ato de natureza arrecadatória aos cofres públicos, que não pode se efetivar a qualquer preço ou a custa de arbitrariedades e abuso de poder, pelo que, plenamente justificável que tal ato seja estatuído previamente por uma lei, em homenagem ao que privilegia o Princípio Constitucional da Legalidade, que vem garantido e reforçado em título específico – Título VI Da Tributação e do Orçamento – quanto às matérias tributárias.

Nesta linha de raciocínio, o advogado Rodrigo Spessato esclarece pertinentemente que:

“Percebe-se, portanto, que a lei no Direito Tributário assume uma importância ainda maior que noutras searas jurídicas. Em linhas gerais, só a lei pode disciplinar questões que girem em torno da criação e aumento de tributos. De fato, no ordenamento jurídico brasileiro os tributos só podem ser instituídos ou majorados com base em lei. Este postulado vale não só para os impostos, como para as taxas e contribuições, que, estabelecidos coercitivamente, também invadem a esfera patrimonial privada. Só à lei é dado criar ou aumentar tributos”[8].

Neste passo, se faz imprescindível atentar para o meio instituidor de tributos emitido pelo estado, que somente deverá ter poder coercitivo ou obrigatório capaz de exigir recolhimento tributário, se estiver devidamente consumado constitucional e impecavelmente como uma lei.

Na doutrina vicejada pelo tributarista Leandro Paulsen, é possível detectar que, não basta a obediência ao primado da legalidade, sendo imperiosa a conformação com os preceitos constitucionais desta norma, esclarecendo que:

“A supremacia da Constituição faz com que hoje tenhamos o que se tem convencionado chamar de Estado de Constituição (Verfassungsstaat). Daí exsurge o princípio da constitucionalidade. Já não basta, como se dava nos sistemas em que havia a soberania do legislador, a conformidade com a lei. Para que uma norma seja válida, deve estar adequada à Constituição como um todo, o que envolve tanto o princípio da legalidade como os demais princípios e regras nela contemplados. Aliás, o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis revela tal traço.

(…) A legalidade tributária constitui garantia fundamental do contribuinte, sendo, portanto, cláusula pétrea, conforme destacado em nota introdutória às limitações ao poder de tributar. As atenuações à legalidade (autorizações para que o Executivo altere alíquotas) são apenas as expressas no art. 153, § 1º, da CF. A referência, em tal dispositivo, ao II, IE, IPI e IOF é taxativa, não admitindo ampliação sequer por Emenda Constitucional. A pretendida excepcionalização do IPMF pela EC 03/93 foi declarada inconstitucional pelo STF na ADIN 939, conforme se vê em nota ao art. 74 do ADCT. A EC 33/01, ao acrescer o § 4º ao art. 177 da CF, admitindo sejam reduzidas ou restabelecidas as alíquotas da contribuição de intervenção relativa às atividades de importação ou comercialização de combustíveis por ato do Poder Executivo, incorre no mesmo vício”[9].

Neste toque, incumbe transcrever o § 1º do Artigo 153 da Carta Constitucional, ipsis litteris:

§1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V, (Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e IOCrédito, IOCâmbio, IOSeguro e IOTVM.

Quanto ao indigitado dispositivo constitucional vale esclarecer, no entanto, que apesar de autorizar o exercício da legislatura ao Poder Executivo, por intermédio do presidente da república, só se autoriza in casu a majoração ou minoração das alíquotas ali tratadas, dentro de um patamar preestabelecido e legalmente previsto em uma lei ordinária específica, que foi devidamente promovida dentro dos ditames pertinentes ao processo legislativo e, portanto, pelo poder que tipicamente o estatui, que é integrado por representantes devidamente eleitos pelo povo que através deles exerce a denominada democracia semidireta, estabelecida no Artigo 1º, Parágrafo Único da Carta Magna.

Acrescenta, ainda, quanto ao assunto em esteira, o comando legal previsto no Código Tributário Nacional de 25 de Outubro de 1966, que foi recepcionado pela Constituição Federal em vigor desde 1988, em seu Artigo 3º, que:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Neste prumo, verifica-se que todos os dispositivos legais e constitucionais até o momento apresentados, só vêm a corroborar com o primado da legalidade, especificamente quanto ao âmbito do direito tributário, que se faz imperioso, em vista da natureza das relações jurídicas envolvidas quando o assunto é instituição ou majoração de tributos.

A preocupação implantada na presente pesquisa é justamente aquela que ronda a mente de todos os estudiosos e pensadores do direito tributário e, muito mais ainda, a dos contribuintes que, por um ato do poder público virá a ser obrigado a ceifar parte de seu patrimônio em favor do estado.

Veja que, apesar de os paradigmas da legalidade estarem ínsitos de diversos regramentos no ordenamento tributarista, o que se vê é um verdadeiro alargamento do que vem a ser considerado como “lei” para que se alcance essa finalidade maior, qual seja, exigência e aumento de tributos.

Essa extensão atributiva do que vem a ser efetivamente “lei” é que realmente preocupa e vai de encontro com todo o estado democrático de direito e com os princípios republicanos, mormente no que diz respeito à efetiva vontade do povo estar sendo respeitada pela via semidireta profetizada no Parágrafo Único do Artigo 1º da Carta Maior.

O que se percebe, até mesmo da raiz concernente à palavra “lei”[10], é que a mesma corresponde inexoravelmente a um poder que emana do povo e para o povo através de representante eleitos e que a eles representa, identificando-se, dentro do regime de tripartição reconhecido no estado democrático brasileiro, como sendo o Poder Legislativo, por estar intimamente ligado ao poder típico de legiferar, de produzir leis, por isso mesmo, conforme prenuncia o nascedouro da palavra que o denomina, do francês législatif, que legisla, poder que diz respeito à legislação[11].

Importa esclarecer que a preocupação maior é haver um desvirtuamento do sentido do que efetivamente viria a ser uma lei, configurando-se ou não como sendo estritamente um ato legislativo, mormente no que tange às leis tributárias, para se englobar outros atos, sejam eles emanados ou não pelo Poder Legislativo, a fim de se introduzir no ordenamento jurídico tributos ou aumentos a eles referentes, como imposição coercitiva e, consequentemente, obrigatoriedade de se pagar, ou seja, de se recolher essas quantias, independentemente de esse ato legal ter sido ou não fabricado ou emanado do Poder Legislativo.

Se o único poder que efetivamente representa o povo, pela via semidireta, segundo detecta a doutrina, é o Poder Legislativo, deve se levantar discussões acerca dessa possibilidade de o Poder Executivo emitir atos normativos que se configuram como leis sob a chancela da própria constituição.

O que se vê, no entanto, é o risco de se ofuscar o verdadeiro ideal democrático em prol de interesses alheios ao efetivo implemento dos axiomas democráticos, fazendo com que se alcance aquele povo considerado como tal somente como ícone e não no sentido literal da palavra, ou então, como bem salienta Friedrich Müller em seu questionamento fundamental acerca da democracia, o denominado povo icônico.

O autor alemão aprofunda seus estudos nesse sentido e chama a atenção lecionando que uma real e efetiva democracia, deveria ser exercida com uma participação mais direta e efetiva de seus integrantes, vicejando, nesse sentido que:

“Para Rousseau, a democracia legítima seria a democracia direta, impraticável no Estado de grandes dimensões territoriais bem como em sociedades distorcidas pelo capitalismo. Mas Rousseau viu que a democracia direta pode ser perfeitamente testada em unidades políticas de pequeno formato. Hoje isso não é uma utopia, mas um objetivo politicamente desejável e praticamente aplicável nos estados individuais de uma federação, em regiões administrativas, em municípios. (…)

Não existe nenhuma democracia viva sem espaço público. Ele é o espaço do povo, quer dizer, da população: ‘A praça é do povo, como o céu é do condor’ (Castro Alves). Nele oscilam os processos informais da sua participação política, na qual podem apoiar-se aqueles formais de participação: para tornar o povo identificável, abrindo-lhe espaço para que ele se crie – atuando em situações concretas, diante de problemas concretos.

Eis a direção, na qual um Estado democraticamente constituído poderia tornar-se uma república no sentido enfático da palavra: uma res publica, coisa pública – quer dizer, segundo a etimologia do Latim arcaico, uma res populica: uma coisa do povo”[12].

É neste tom, de primazia dos ideais republicanos, que se questiona e se enfatiza o tema ora selecionado, qual seja, a medida provisória; especialmente no que diz respeito à sua pertinência relativamente às matérias de ordem tributária, precisamente quando for o caso de instituição ou majoração de tributos.

Sendo assim, passa-se então à análise acerca do tema suscitado, inclusive quanto aos preceitos e características mais básicos pertinentes às medidas provisórias, possibilitando o real entendimento e as consequências a elas pertinentes.

MEDIDAS PROVISÓRIAS

Conceito e Natureza Jurídica

Na teoria da divisão funcional do Estado, Montesquieu propagava que, cada um dos poderes possuía funções específicas, conforme explicita em seu célebre Do espírito das leis, sendo que o nascimento desse ideal é fruto do movimento liberalista que buscava combater o absolutismo vigorante em relação ao poder concentrado do soberano.

Mas, a posteriori, houve um abrandamento desse paradigma, pelo que se verificou a possibilidade de os poderes estatais desenvolverem funções típicas e atípicas, nos termos ratificados por Pedro Lenza, a seguir transcritos:

A Teoria da ‘tripartição dos Poderes’, exposta por Montesquieu, foi adotada por grande parte dos Estados modernos, só que de maneira abrandada. Isso porque, diante das realidades sociais e históricas, passou-se a permitir maior interpenetração entre os Poderes, atenuando a teoria que pregava uma separação pura e absoluta dos mesmos.

Dessa forma, além do exercício de funções típicas (predominantes), inerentes e ínsitas à sua natureza, cada órgão exerce, também, outras duas funções atípicas (de natureza típica dos outros dois órgãos). Assim, o Legislativo, por exemplo, além de exercer uma função típica, inerente à sua natureza, exerce, também, uma função atípica executiva e outra função atípica de natureza jurisdicional[13].

Nesta órbita, analisa ainda o referido constitucionalista esclarecendo:

“Isso porque, ao contrário da lei, fonte primária do direito, o regulamento se caracteriza como fonte secundária. Outro entendimento feriria o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da CF/88, bem como o princípio da separação dos Poderes, previsto no art. 2º e elevado à categoria de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III), na medida em que a expedição de normas gerais e abstratas é função típica do Legislativo. Quando o constituinte originário atribuiu função atípica de natureza legislativa ao Executivo, ele o faz de modo expresso, como se percebe, por exemplo, no art. 62 (medidas provisórias)”[14].

É neste passo que se verifica a contextualização das Medidas Provisórias no ordenamento jurídico brasileiro.

Diversos são os juristas que explicam ou, ao menos tenta explicar, a razão de ser deste instituto normativo, inserido no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio da Carta Cidadã em 1988, e denominado pelo legislador constituinte como Medida Provisória.

Em decorrência da hermenêutica que se faz quando de sua teorização, a maioria apresenta críticas quanto à essência desse ato presidencial, bem ainda a forma de seu nascedouro, situação que se autentica com o discurso a seguir:

“(…) as medidas provisórias representam, o câncer que consome, lenta e gradualmente, a saúde de nossa democracia. Como o vírus maligno, de fora, estranho, que veio instalar-se num organismo já meio fraco, debilitado, encontrando então ambiente apropriado para desenvolver-se, modificar o núcleo de células sadias, alterando a estrutura do DNA, reproduzindo-se de modo descontrolado e violento, ocupando todo o espaço da vida sadia, da normalidade. Tem até nome de vírus – provvedimenti provvisori (com (sic) forza di lege) (Prática do processo legislativo, p. 178)”[15].

Mas, afora a censura tecida por estudiosos quando o assunto em voga é medida provisória, incumbe esclarecer que na prática quotidiana este ato executivo se revela, em suma, como um ato normativo manejado em situações de considerada relevância e urgência, com o fito de propiciar a prestação que se revela lacunosa e que, em sendo dever do estado, que chamou para si o poder de legislar, acaba se mostrando como um mecanismo eficiente para solucionar questões que clamem pelo preenchimento de eventuais omissões.

Substitutiva do antigo decreto lei, previsto na constituição antecessora da Carta de 1988, que podia ser utilizado também pelo Presidente da República, as atuais medidas provisórias foram adotadas, em verdade, com base no que já previa o direito comparado, especificamente o direito constitucional italiano que, nos dizeres de Alexandre de Moraes, está previsto no Artigo 77 da Constituição da República Italiana.

Diante disso, o jurista acrescenta relevantemente, que:

“O art. 77 da Constituição Italiana prevê os chamados decretilegge in casi straordinarí di necessita e d’urgenza (decretos-lei em casos extraordinários de necessidade e urgência), prevendo que em caso extraordinário de necessidade e urgência, o Governo adotará, sob sua responsabilidade, providências provisórias com força de lei, devendo apresentá-las imediatamente à Câmara, para sua conversão. Estipula, ainda, que o decreto perderá eficácia retroativamente se não houver a conversão em lei, no prazo de 60 dias de sua publicação, devendo a Câmara regulamentar as relações jurídicas resultantes do decreto-lei não convertido em lei.

Apesar dos abusos efetivados com o decreto-lei, a prática demonstrou a necessidade de um ato normativo excepcional e célere, para situações de relevância e urgência. Pretendendo regularizar esta situação e buscando tornar possível e eficaz a prestação legislativa do Estado, (…)”[16].

Destarte, verifica-se que o instituto não é exclusividade do ordenamento jurídico brasileiro, estando inserido no universo do direito comparado, a exemplo do direito italiano, que foi a fonte de inspiração para a inclusão do mesmo no rol dos atos legislativos do Brasil.

As críticas vindouras e já existentes em relação ao apontado instituto, provavelmente se consuma em decorrência das inúmeras edições dessas medidas pelo Poder Executivo, fazendo as vezes do poder que possui efetiva prioridade para legislar. De acordo com dados apontados por Lenza[17], “(…) quando da aprovação da EC n. 32/2001, (…) no período entre 05.10.1988 e 20.09.2001, já havia sido editado e reeditado o assustador número de 6.130 medidas provisórias, chegando algumas delas a levar quase sete anos sem aprovação (…)”.

Vale ratificar que, segundo entendimento já assentado pela Suprema Corte brasileiro, há plena possibilidade de edição de medidas provisórias por parte do poder executivo estadual, desde que tal prerrogativa esteja expressamente estabelecida na Constituição Estadual respectivo.

Trata-se de ato cuja competência ou legitimação para edição é de exclusividade do Presidente da República, através de ato unilateral e indelegável, nos moldes estatuídos no Artigo 84, XXVI da Carta Magna, que estabelece a competência privativa dele para tal, nos termos do Artigo 62 da mesma Carta, que prevê:

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.

Apesar da competência privativa para a criação das medidas, conforme propalado no referido Artigo 84, XXVI Da Constituição Federal, é verdade que existe entendimento no sentido de autorizar a utilização desse meio legislativo pelo chefe do poder executivo dos Estados membros da federação.

Em voto da lavra da Ministra Ellen Gracie, proferido em 16 de Agosto de 2006, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.391-8, publicado no Diário da União em 16 de Março de 2007, em que figurou como Requerente o Partido dos Trabalhadores e como Requerida a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, ficou consignado quanto à referida competência que:

“(…) Adoção de Medida Provisória por Estado-membro. Possibilidade. Artigos 62 e 84, XXVI da Constituição Federal. (…) Processo Legislativo Previsto na Constituição Federal. Inexistência de Vedação Expressa quanto às Medidas Provisórias. Necessidade de Previsão no Texto da Carta Estadual e da Estrita Observância dos Princípios e Limitações Impostas pelo Modelo Federal.

1. (…).

2. No julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19.12.03, o Plenário desta Corte já havia reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição de medida provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento esteja expressamente previsto na Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os princípios e as limitações impostas pelo modelo adotado pela Constituição Federal, tendo em vista a necessidade da observância simétrica do processo legislativo federal. Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.06.92 e ADI 812-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.05.93.

(…)”[18].

Portanto, já houve reafirmação pelo STF, em diversas oportunidades, de possibilitar ao Poder Executivo dos Estados da federação a edição de medidas provisórias, sendo inegável a imprescindibilidade de observância dos preceitos que a regem de um modo geral, quando tratada na órbita federal.

Ademais, veja-se que para a sua criação, seja pelo chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual, o que se requer como pressuposto imprescindível previsto na Carta da República, é a presença dos requisitos de relevância e urgência, que precisam ser preenchidos cumulativamente para que possa possibilitar o ensejo da medida a ser criada.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 32 de 11 de Setembro 2001, foi dada nova redação a diversos parágrafos do Artigo 62 da Constituição Brasileira, sendo relevante lembrar que, pelo que estabelece o § 3º do mencionado dispositivo constitucional, as medidas provisórias perderão eficácia desde a edição se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias prorrogável por igual período, uma só vez, as que no referido prazo a contar da data de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas casas do Congresso Nacional, ou seja na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Com a edição de uma medida provisória pelo Presidente da República, levar-se-á a mesma à apreciação imediata ao Congresso Nacional, que apreciará sua constitucionalidade, o preenchimento dos seus requisitos e sua adequação financeiro-orçamentária, para depois ser submetida à votação em sessão distinta, primeiro pela Câmara dos Deputados e, em seguida, pelo Senado Federal, o que somente acontecerá se forem previamente analisados e aprovados os itens citados, sob pena de arquivamento prévio à fase de votação.

Imperioso destacar que há proibição expressa de reedição de medida provisória na mesma sessão legislativa, que compreende um ano calendário, valendo evidenciar que, as sessões extraordinárias não são compreendidas como uma sessão legislativa, pelo que, mesmo que se realizem dentro de um mesmo ano, poderão reeditar a mesma medida.

Por fim, imprescindível reafirmar que as medidas provisórias possuem natureza jurídica estabelecida na Constituição Federal, que a insere no rol de institutos que se elaboram pela via do processo legislativo, portanto, atribui-lhe natureza de lei.

Acrescenta quanto à natureza jurídica das Medidas Provisórias o advogado Rodrigo Spessato, que:

“(…) a posição do STF é no sentido de que a medida provisória tem natureza de lei material. No entanto, procurar-se-á demonstrar que a medida provisória é lei tanto em sentido material como formal.

O sempre citado professor CLÈMERSON MERLIN CLÈVE também acredita que as medidas provisórias têm natureza de lei material e formal, usando a justificativa de que elas integram o processo legislativo em face de disposição expressa da Constituição Federal. Consoantes o jurista, as medidas provisórias são uma das espécies normativas primárias elencadas no art. 59 da Constituição Federal e todas as espécies ali elencadas são lei. Em nota de rodapé, ele acrescenta que, pelo que se depreende da leitura do art. 59 da Constituição Federal, o Constituinte se valeu do critério formal para definir o que é a lei. Levou em conta, então, não a origem do ato, nem a sua qualidade (impessoalidade, abstração), mas sim a sua força para inovar o ordenamento jurídico, criando direitos e obrigações. Lei, para o Constituinte, então, são todos os atos normativos primários”[19].

A fim de corroborar seu entendimento, ou seja, de que as Medidas Provisórias possuem natureza jurídica de lei formal e materialmente, o referido autor apontou como pertinente para sua detecção, o Princípio da Separação dos Poderes e o da Formação do Estado Social de Direito[20].

Diante disso, revela-se que a jurisprudência tende a atribuir natureza jurídica de lei no sentido material, enquanto que a doutrina a considera lei material e formalmente, relativamente ao instituto da Medida Provisória.

Medidas Provisórias tratando de matéria tributária

Pelos ideais anteriormente acrescentados, é lógico imaginar que existem limites materiais relativamente ao instituto das medidas provisórias, eis que, além de ser imprescindível a configuração da relevância e da urgência como requisitos prévios ao ensejo de sua instituição, é verdade que existe uma restrição quanto ao que pode ou não ser tratado em seu contexto, ou seja, nesta sede normativa.

Além das vedações relacionadas ao campo do direito criminal ou penal, incluindo-se aí as possíveis instituições pro reo, ou seja, com o intuito de trazer benefícios aos indiciados, acusados ou apenados, existem outras diversas, conforme analisa Moraes, apesar de aberrante, o supremo vem entendendo a possibilidade de as medidas provisórias transitarem pelo mundo dos tributos, conforme expressa a seguir:

“(…) na órbita tributária, a norma constitucional exige a anterioridade da lei. E medida provisória não é lei, mas espécie normativa excepcional, transitoriamente investida de ‘força de lei’.

Conclui-se, portanto, como Roque Carrazza, que em relação aos tributos submetidos ao princípio da anterioridade, as medidas provisórias inequivocamente não os podem criar ou aumentar”[21].

Para chancelar esse entendimento, de que as medias provisórias não podem se aventurar em matérias de ordem tributária, o autor acresce um posicionamento emanado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP – Adin nº 11.643-0/0) que ratifica:

“o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, veda com força de garantia dada ao contribuinte, ‘à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça’ e, no inciso III, veda a cobrança de tributos, item a, ‘em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’. Não se dispensa, pois, ao tributo a reserva legal, o princípio da legalidade, que não poderia abranger a medida provisória, que não é lei, ainda que se equipare à mesma, até pela diversidade quanto ao âmbito de iniciativa e de processos legislativos”[22].

Nada obstante, como dito anteriormente, Alexandre de Moraes traz à baila o entendimento predominante da suprema corte de justiça brasileira, que é mordaz em aceitar o tratamento tributário por intermédio das medias provisórias, nos termos a seguir colacionados:

“(…) o Plenário do STF julgou parcialmente inconstitucional a medida provisória nº 628, de 23-9-94 e suas sucessivas reedições até a medida provisória nº 1.482-34, de 14-3-97, entendendo, apesar da possibilidade de instituição de tributos, absolutamente necessário o respeito por parte das medidas provisórias, do princípio da anterioridade do Direito Tributário.

Assim, no Pretório Excelso já encontra-se pacificada a plena e legítima possibilidade de disciplinar matéria de natureza tributária por meio de medidas provisórias, que por previsão constitucional têm força de lei”[23].

Ademais, o que mais interessa e que também é apontado pelo referido jurista, é a possibilidade de tratamento de ordem tributária em sede de medida provisória quando desta emanar majoração ou instituição de tributos, o que, pela Emenda Constitucional nº 32/01 (Anexo 01) deu azo ao entendimento positivo do Supremo Tribunal Federal para autorizar esse entendimento, desde que efetivamente respeitado o Princípio da Anterioridade.

Então, de acordo com o que preceitua o Artigo 62, § 2º da Lei Maior, inserido pela via da Emenda Constitucional, especificamente quanto à que recebeu o número 32 em 11 de Setembro de 2001, “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (…) § 2º. Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”.

Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil, deixando para trás todos os conceitos técnicos e relevantes ao desenvolvimento de uma “lei” por intermédio do processo legislativo, atribuiu força de lei às medias provisórias a partir de 2001, mormente para autorizar que esse ato seja capaz de instituir e/ou majorar impostos, sempre em obediência ao apregoado axioma da anterioridade, também conhecido por Princípio da Eficácia Diferida, cujos preceitos basilares vêm esculpidos na própria Constituição Federal, através do Artigo 150, III, b, que reza o seguinte:

“Art, 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – (…);

II – (…);

III – cobrar tributos:

a) (…);

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

(…)”.

Neste passo, entende-se por Princípio da Anterioridade, a vedação constitucional expressa, portanto, uma efetiva proibição no âmbito tributário, de que os entes da federação, sejam eles da esfera municipal, estadual, distrital ou da própria União, acerca da impossibilidade de se cobrar um tributo dentro do mesmo exercício financeiro que tenha sido criado, sempre buscando preservar a segurança jurídica e afastar a possibilidade de que o contribuinte seja surpreendido quando desta exigência.

Destarte, o que se apercebe como consectário lógico desse preceito fundamental que homenageia inegavelmente o primado da Segurança Jurídica, é que, se o Poder Executivo instituir ou majorar um imposto pela via da medida provisória há de cair por terra, de imediato, os requisitos da relevância e da urgência, que são imprescindíveis para que a mesma possa nascer no ordenamento jurídico e, é daí, que surgem celeumas infindáveis relativamente ao tema, eis que, se pode detectar um verdadeiro contrassenso na esteira das medidas que instituem e majoram impostos, vez que, não obstante à alegação de urgência que serviu de fundamentação para sua criação, deverá ser respeitado, inexoravelmente, o Princípio da Anterioridade Tributária, expressamente inserido pelo legislador constituinte originário no texto Constitucional de 1988.

Além disso, ainda quanto ao princípio ora analisado, impende corroborar o presente estudo com as lições proferidas pelo estudioso do direito tributário, Professor Eduardo Sabbag, que não se olvidou de pontuar os casos que excepcionam o preceito da anterioridade, valendo antecipar que as exceções previstas no texto constitucional foram inseridas por via da Emenda Constitucional nº 42 de 19 de dezembro de 2003, lecionando neste prumo o referido autor que:

“É oportuno salientar a ocorrência de exceções ao Princípio da Anterioridade Anual, consoante a inteligência do art. 150, § 1º, parte inicial, da CF, representantes de uma lista de tributos de exigência imediata.

Os tributos abaixo, se criados ou majorados, deverão, portanto, ser cobrados imediatamente:

– Imposto de Importação (II);

– Imposto de Exportação (IE);

– Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

– Imposto sobre Operações Financeiras (IOF);

– Imposto Extraordinário de Guerra (IEG);

– Empréstimo Compulsório para Calamidade Pública ou para Guerra Externa (ECCALA/GUE);

– CIDE-Combustível e ICMS-Combustível.

É imperioso enaltecer que o Princípio da Anterioridade Tributária foi revigorado com o advento da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, segundo a qual se vedou a cobrança de tributos antes de decorridos 90 (noventa) dias da data em que houver sido publicada a lei que tenha instituído ou majorado o tributo, em consonância com a alínea c do inciso III do art. 150 da Constituição Federal”.

Veja-se, então, que se faz imprescindível raciocinar no sentido de que, não obstante às exceções alinhavadas no § 1º do Artigo 150 da Constituição de 1988, se faz pertinente relembrar sempre que existem limitações expressas quanto a determinados impostos serem instituídos pela vida da medida provisória, como já visto anteriormente e, ademais, atrelado a esse entendimento, há também um novo paradigma, criado em 2003, nos termos prelecionados por Eduardo Sabbag, de uma Anterioridade Nonagesimal, ou seja, um postulado de anterioridade mínimo a ser respeitado quando o assunto normativo figurar na esfera tributária.

Assim, que, segundo o Artigo 150, III, c do texto constitucional, “(…) é vedado à União, aos Estados aos Municípios e ao Distrito Federal, cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.

E essa regra deve ser respeitada de modo absoluto, afora as exceções dispostas também no § 1º do referido dispositivo constitucional, que apontam como imunes ao presente regramento os tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, tampouco em relação à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III e 156, I da CF/88, que tratam respectivamente do Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto sobre a Renda (IR), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto Extraordinário de Guerra (IEG), Empréstimo Compulsório para Calamidade Pública ou Para Guerra Externa, bem ainda a fixação da base de cálculo do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

De qualquer forma, apesar de comportarem as exceções expressamente previstas na própria Constituição Republicana, os Princípios da Anterioridade Anual e da Anterioridade Nonagesimal, sempre poderão ser aplicados cumulativamente, reforçando a idéia de proteção e segurança que merece ser conferida ao contribuinte em suas relações com o Estado.

Reforça Sabbag que a criação do axioma da Anterioridade Nonagesimal veio para evitar arbítrio e aviltamento de regras sagradas que podiam ser facilmente burladas ante a evidente fragilidade do Princípio da Anterioridade Anual quando aplicado solitariamente, conforme segue:

“Como é cediço, não é raro presenciar a voracidade fiscal da Fazenda Pública, que sempre se valeu de vitando expediente, criando ou majorando tributos nos últimos dias do ano, a fim de que pudesse satisfazer a volúpia arrecadatória com valores a receber, logo no início do exercício.

A novidade trazida pelo teor da Emenda Constitucional nº 42/2003, quanto ao Princípio da Anterioridade, vem obstar tal expediente, ao exigir uma espera nonagesimal entre a exteriorização do instrumento normativo majorador ou criador e a exigência efetiva do gravame compulsório”.

Por outro lado, a finalidade do presente estudo é verificar que, em matéria tributária, para instituição e majoração de impostos, e o texto constitucional é claro ao mencionar apenas esta modalidade tributária, restou absolutamente autorizado pelo legislador brasileiro, ao emendar o Pacto Constitucional (Emenda Constitucional nº 32/2001 – Anexo 01), que tal situação se configurasse pela via das medidas provisórias, porquanto expressamente previsto no dispositivo alhures apontado.

Vale dizer, por oportuno, que o legislador excepcionou as espécies previstas nos Artigos 153, I, II, IV, V e 154, II da Constituição Federal, que tratam respectivamente do Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF), bem ainda, os denominados Impostos Extraordinários de Guerra.

APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE QUANTO ÀS MEDIDAS PROVISÓRIAS INSTITUIDORAS DE TRIBUTOS

Solução vigorante

Esclarecidos e debatidos os paradigmas basilares do presente estudo, representados pelo Princípio da Legalidade Tributária e pelo ato executivo denominado Medida Provisória, é chegado o momento de apresentação da situação efetivamente vigorante no Brasil, apesar dos adiantamentos e esclarecimentos fornecidos nos capítulos antecedentes quanto a esse particular.

O que se verifica no cenário nacional brasileiro, apesar da regra preconizada através do brocardo nullum tributum sine lege, segundo análise desenhada por Spessato, resta constatado que existe entendimento doutrinário autorizador da instituição e majoração tributárias através de Medidas Provisórias, verbis:

“(…) o princípio da legalidade tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da atual Lei Fundamental brasileira, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal. Destarte, um tributo somente pode ser instituído ou majorado mediante lei em sentido restrito, ou seja, uma lei que seja a um só tempo formal e material (princípio da reserva de lei formal). Ademais, esta lei em sentido restrito, que cria um tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago, isto é, a referida lei deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela (princípio da reserva absoluta de lei formal). Diante disso, a norma constitucional que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios ‘exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça’, é também denominada de princípio da estrita legalidade tributária.

Tudo o que foi até agora descrito teve por escopo um único fim, qual seja o de demonstrar que as medidas provisórias podem criar ou aumentar tributo, porquanto conformam-se perfeitamente ao conceito de lei em sentido restrito, respeitando, portanto, o princípio da legalidade em matéria tributária”.

Nada obstante, verifica-se que o posicionamento esculpido pelo jurista e acima colacionado, não representa a maioria dos estudiosos e doutrinadores que prelecionam acerca do tema, situação que foi reconhecida pelo próprio no artigo jurídico ora analisado, que menciona os tributaristas Luciano Amaro, Luiz Emygdio Franco da Rosa Junior, Yoshiaki Ichihara e Marcelo Figueiredo, como exemplo dos precursores do entendimento de que Medida Provisória não é meio viável ao estabelecimento ou aumento de tributos, dês que, por não possuírem natureza de lei, não levam consigo o condão de realizar esse mister, porquanto, além disso, contrariam axiomas ínsitos ao Direito Tributário, tais quais o Princípio da Não Surpresa que está atrelado ao da Anterioridade Tributária, bem ainda o da Segurança Jurídica dos contribuintes, o que seria um contrassenso com o que requer o instituto, que exige obediência à situação fática de relevância e urgência para possibilitar a sua criação.

Diante disso, possível estabelecer, destarte, que apesar de existir corrente minoritária na doutrina, já defendendo a autorização da criação ou aumento de espécies tributárias pela via da Medida Provisória, o que vigora nos tribunais é no sentido de autorizar a referida situação, pacificando os embates doutrinários prevalentes no país.

Veja que o Supremo Tribunal Federal já entendeu, segundo palavras inseridas no famoso Direito Tributário Brasileiro de Aliomar Baleeiro, que Medida Provisória é ato normativo considerado como lei e por isso pode instituir tributos, ilustrando tal premissa através do voto do Ministro Carlos Mário Velloso no Recurso Extraordinário nº 138284-8/CE, in verbis:

“Convém registrar, primeiro que tudo, que a Constituição, ao estabelecer a medida provisória como espécie de ato normativo primário, não impôs qualquer restrição no que toca à matéria. E se a medida provisória vem a se transformar em lei, a objeção perde objeto. É o que ocorreu, no caso. A M.P. nº 22, de 06.12.88, foi convertida na Lei 7689, de 15.12.1988.

Não seria, portanto, pelo fato de que foi a contribuição criada, originariamente, mediante medida provisória, que seria ela inconstitucional”[24].

Neste toque, consta ainda do manual de Baleeiro a relevante observação a seguir vicejada:

“Bem se vê que medidas provisórias e regulação de tributos não se conciliam, por causa dos princípios que vedam a ‘surpresa’ tributária. Esses princípios postergam, adiam a eficácia da lei já existente ou para o exercício financeiro subsequente ou para o término do período de espera de 90 dias. As medidas provisórias, em mandamento constitucional exatamente oposto, antes mesmo da existência da lei, antecipam a eficácia própria da lei. Esses movimentos são contrários, antitéticos. Não há necessidade de exceção expressa. Os regimes jurídicos se repelem. Basta considerar que, na Constituição de 1969, o mesmo fenômeno ocorria.

Por isso é que o Texto anterior, em seu art. 55, teve de mencionar expressamente a licença para regular ‘inclusive normas tributárias’, em caso de urgência e relevância. Ora, cessada a permissão expressa, que quebrava a incompatibilidade de regimes opostos, não pode mais o Presidente da República editar medidas provisórias para instituir tributos ou modificá-los. Afinal, ao se conciliarem medidas provisórias com o princípio da não-surpresa se cria um procedimento novo, não previsto na Constituição: o das medidas provisórias, sem vigência e eficácia imediatas, portanto, sem relevância e sem urgência”[25].

Nessa esteira, o óbice largamente proliferado pela mais respeitada e dominante doutrina tributarista, atrelado ao posicionamento da Suprema Corte brasileira, no sentido de confrontar esse ideal, fincando pé no sentido de ser plausível e possível a inserção e aumento de tributos pela vida da M.P., faz gerar uma celeuma infinita e palpitante, oriunda da natureza verdadeiramente polêmica da questão, que continua sendo tema de discussões e defesas em ambos os sentidos.

Nestes termos, o que se verifica é uma bipartição no que vem prevalecendo acerca da possibilidade ou impossibilidade de configuração dessa situação, mas essa bifurcação, na prática, se revela meramente teórica, dês que, enquanto que a doutrina repudia sua existência, o que prevalece na realidade é a autorização de tal medida nos termos já considerados, tudo devidamente chancelado pela jurisprudência majoritária, valendo esclarecer, no entanto, que existe limitação material pela via indireta à edição de MP na seara do Direito Tributário[26].

Breves comentários acerca da Emenda Constitucional 32 de 2001

Com o intuito de auxiliar no entendimento e nas pesquisas pertinentes ao assunto, o tributarista Eduardo Sabbag traçou de modo bastante interessante, um roteiro pontuando o deslinde temporal relativamente ao confronto existente entre os atributos da Medida Provisória em torno do Princípio da Legalidade Tributária, explanando nesse sentido que:

“Não obstante o STF ter aceitado a possibilidade de criar ou aumentar tributo por meio de medida provisória, tal posicionamento carecia de respaldo constitucional, uma vez que sua robustez advinha tão-só de posicionamento jurisprudencial.

A Emenda Constitucional nº 32/2001 trouxe, assim, o timbre constitucional à visão do STF, ao introduzir inúmeras modificações no art. 62 da CF, com inclusão de 12 (doze) parágrafos ao comando.

Atualmente, sabe-se que a medida provisória, segundo literalidade da Constituição Federal, é meio idôneo de alteração e instituição de imposto, conforme se depreende do disposto no art. 62, § 2º, da CF. Assim, não há inconstitucionalidade, e.g., em um aumento de ITR ou de IR por medida provisória”[27].

Nesta esteira, é possível detectar que a Emenda Constitucional nº 32 de 11 de Setembro de 2001 (Anexo 1) é um verdadeiro marco no que tange ao funcionamento das Medidas Provisórias no Brasil, especialmente no que diz respeito à sua aplicabilidade no âmbito do Direito Tributário, principalmente quanto ao que se relaciona a instituição e majoração de tributos, tema em estudo.

Ratifica o mesmo autor em sua obra Elementos do Direito Tributário que:

“Embora a doutrina mostre-se contrária, a jurisprudência predominante no País, capitaneada pelo STF, vem admitindo o uso de medida provisória em matéria tributária, inclusive para instituição de tributos (AGRAG 236.976; RE 138.284). Em 2001, o art. 62 da CF foi ‘turbinado’ com a Emenda Constitucional nº 32, que lhe trouxe inúmeros parágrafos, os quais representam significativas mudanças no indigitado instrumento normativo. A principal mudança refere-se à possibilidade de medida provisória versar sobre impostos (excetuados aqueles cabentes à lei complementar, com o pagamento do tributo delimitado para o ano seguinte ao ano da conversão da medida provisória em lei“[28].

Importa considerar, portanto, que as inúmeras modificações[29] trazidas pela Emenda Constitucional nº 32 de 2001 foram salutares ao implemento dos ideais que já vinha sendo propagados pela Suprema Corte de Justiça brasileira, açambarcando todos os empecilhos anteriormente existentes e delineando passo a passo o instrumento e atribuindo-lhe capacidade para instituir e majorar tributos, ressaltando Paulsen que:

“Note-se que, a partir da EC nº 32, as MPs passaram a ter nova numeração, iniciando novamente do número 1.

(…) As Medidas Provisórias têm força de lei ordinária, de maneira que não podem ser usadas para casos em que se exige lei complementar. Já afirmávamos isso nas edições anteriores, sendo que, agora, com a EC nº 32/01, há previsão expressa no art. 62, § 1º, inciso III, da CF: ‘§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobe matéria: III – reservada a lei complementar’, Ou seja, nada mudou, mas, agora, há vedação constitucional expressa”[30].

Ademais, importa considerar que o instituto da Medida Provisória eclodiu no país com o advento da Constituição da República atual, que surgiu em 1988, trazendo um verdadeiro substitutivo das funções do antigo Decreto Presidencial, porém, para se alcançar a situação e funcionamento que hoje se aplicam a ela, diversas modificações e adequações foram realizadas com o fito de ventilar o texto escrito pelo legislador constituinte originário, o que rendeu a edição de diversas Emendas Constitucionais ao longo desses vinte e um anos de sua existência.

Ademais, juntamente com a criação das Medidas Provisórias, se verifica que outros regramentos foram inseridos no ordenamento constitucional e que obedecem, em verdade, Princípios do Estado de Democrático de Direito Republicano, a exemplo, pertinentemente relacionado ao assunto ora em análise, do axioma da Anterioridade[31], que garante aos contribuintes, portanto cidadãos brasileiros, a garantia de não desrespeito a certo período de tempo mínimo quando do estabelecimento de novos tributos ou aumento de outros já existentes, o que está ratificado, ademais, em título próprio da Lei Maior, atinente à Tributação e ao Orçamento, reafirmando-se que esse direito constitucional de Anterioridade se aplica a este particular, nos termos do já anteriormente citado (Capítulo 1) Artigo 150, III, b da Constituição Democrática de 1988.

A exemplo do paradigma da Anterioridade, o que se observa é que, por estarem previstos e garantidos na própria Constituição Federal, não podem ser colididos por atos normativos tal qual a Medida Provisória, em que pese também estar estatuído dentro deste mesmo diploma constitucional.

O que não pode é haver colisão ou violação de direitos e princípios, sob pena de restar trucado e estilhaçado o bem maior de um estado soberano, seus regramentos constitucionais.

E é exatamente em decorrência desse instinto de proteção e de cuidado com a manutenção desses preceitos fundamentais, que exsurgem as mais variadas discussões e celeumas como a ora alinhavada, a fim de que se possa manter a ordem e a verdadeira essência de um estado republicano, o estado da res publica ou res populica, que considera a soberania do povo, porque tudo é coisa dele, assim considerado no nascedouro de um estado democrático como o Brasil.

Portanto, historicamente falando, as discussões ora levantadas, vêm de longa data, podendo ser considerada fruto de muitas lutas e conquistas ao longo do deslinde da história da humanidade e, no Brasil, que já sofreu com os desmandos de uma ditadura, que já foi país dirigido pela monarquia, o alcance do Estado Democrático de Direito foi angariado a duras penas, não obstante alguns autores salientarem que por aqui o desenrolar das conquistas foram brevemente alcançadas, conforme assevera o Juiz do Trabalho da 20ª Região, Otávio Augusto Reis de Souza, ao comentar acerca da evolução do Direito Trabalhista no país:

“Se no resto do mundo o Direito do Trabalho foi fruto de um processo complexo e longo de maturação da questão social, teve a influência decisiva das pressões dos trabalhadores, encontrou o Estado justificativa à sua intervenção na Doutrina Social da Igreja e na própria revisão do ideário liberal. NO Brasil, o seu surgimento foi açodado: as lei se antepuseram muitas vezes aos fatos”[32].

Assim, emprestando considerações tecidas em relação a outro ramo do direito, analogamente se pode dizer que também no Direito Tributário as evoluções e conquistas no âmbito brasileiro, ocorreram de modo bastante célere se comparado com países do velho continente, por exemplo.

Mas não é por isso que o povo brasileiro deve fraquejar ou abrir mão da defesa de seus direitos constitucionalmente garantidos, dês que, apesar de o verdadeiro ideal da imposição tributária ser, em verdade, para se reverter em benefício do próprio povo e do bem estar social, quando se impõe a exigência de um pagamento, extirpando-se do patrimônio do contribuinte montantes que poderiam ser efetivamente aplicados em seu benefício ou até mesmo da própria sociedade a sua bel escolha, se faz premente e urgente o respeito aos princípios garantidores da segurança jurídica e da legalidade para que se possa fazer prosperar o que se considera algumas das essências basilares do Estado Democrático e da República que se busca fazer respeitar no país.

Casos concretos pertinentes

Conforme explicitado ao longo deste trabalho, muito antes de ter sido editada a Emenda Constitucional nº 32 de 11 de Setembro de 2001, que veio jogar uma pá de cal nas dúvidas oriundas acerca das discussões que tratam sobre a possibilidade ou não de se instituir ou majorar tributos pela via da Medida Provisório, o Supremo Tribunal Federal já vinha decidindo no sentido de autorizar tal medida.

É o que se vê em diversos julgados proferidos pela Corte na década de 90, nos termos destacados por Leandro Paulsen ao comentar o Princípio da Legalidade Tributária previsto no Artigo 150, I da Carta Republicana de 1988 ao colacionar retalhos de decisões emanadas do mencionado tribunal superior:

“’Tendo força de lei, é meio hábil, a medida provisória, para instituir tributos, e contribuições sociais, a exemplo do que já sucedia com os decretos-leis do regime ultrapassado como sempre esta Corte entendeu’. (excerto do voto condutor do Min. Octávio Galloti no julgamento da ADIn 1.417-0/DF liminar, pelo Plenário do STF, mar/96”

“”EMENTA: I. Medida provisória: força de lei: idoneidade para instituir tributo, inclusive contribuição social (PIS). (…)’ (STF, 1ª T., v.u., Rex 234.463-7/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, nov/99, DJU nº 30-E de 11.02.2000 p. 32)”[33].

Ainda na década de 90, julgou o STF nesse sentido ao acordar que:

“(…) 3. Tendo em vista que a Medida Provisória nada mais é, em última análise, do que modalidade de Decreto-Lei (e assim o é na Itália, em cuja Constituição a nossa, a esse respeito se inspirou), a propósito do qual esta Corte, sob o império da Constituição anterior, firmou o entendimento de que ele, em matéria tributária, poderia também instituir ou aumentar tributo por ter força de lei, observando-se, por isso, o princípio constitucional da legalidade, não se pode, num exame (…texto interrompido na fonte).

Fonte: AJ – Argumentum Jurídico

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