28 jul 2009 @ 2:41 PM 

“Passados quatro anos de vigência da nova Lei de Falências, alguns de seus pontos ainda necessitam de uma interpretação da Justiça para que possam garantir segurança jurídica – em especial nos casos de recuperação judicial. Um deles, apesar de contar com recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda está longe de ser esclarecido de forma definitiva: o que fazer com as ações de ex-trabalhadores de empresas em recuperação judicial que reivindicam seus direitos na Justiça trabalhista. A dúvida surge porque, historicamente, se a empresa acionada não paga a dívida trabalhista e não possui bens para garanti-la, a Justiça do trabalho redireciona a cobrança a terceiros – que podem ser sócios, ex-sócios ou empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico. O que ainda não foi discutido nas instâncias superiores é se isso pode ocorrer quando a empresa devedora está em recuperação judicial.

Os conflitos decorrem da divergência de entendimento entre os juízes trabalhistas e os juízes das varas de falência em relação à aplicação da nova Lei de Falências – a Lei nº 11.101, de 2005. Neste ano, o Supremo decidiu que a Justiça do trabalho não pode definir a existência de sucessão trabalhista – quando uma empresa herda a dívida de outra – na venda das chamadas unidades produtivas de uma empresa em recuperação a outra companhia. A discussão ocorreu no julgamento de um recurso de um ex-funcionário da V. contra a G. – que adquiriu a V. em 2007 – no qual pedia o reconhecimento da sucessão das dívidas. O Supremo não entrou no mérito do que seria uma unidade produtiva, mas definiu que, após reconhecido o direito do trabalhador na Justiça trabalhista, a execução dessa dívida deve ser remetida à vara de falências, responsável por administrar o pagamento de todos os débitos da empresa em recuperação, conforme o plano aprovado pelos seus credores. Cabe também à vara de falências definir se há ou não sucessão trabalhista no caso.

Já a segunda seção do STJ definiu que a execução trabalhista de uma ação em que já foi reconhecida a responsabilidade do sócio da empresa em recuperação pelo débito trabalhista pode ser feita na vara trabalhista. Nesse julgamento, a corte entendeu que a chamada desconsideração da personalidade jurídica para atingir os bens do sócio da empresa poderia ocorrer porque o plano de recuperação da empresa ainda não havia sido aprovado pelos credores.

Apesar desses dois posicionamentos, ainda está indefinida a situação de empresas cujo capital social têm apenas uma participação acionária da companhia em recuperação. A situação é vivida de forma pioneira pela V., cujo complexo processo de recuperação judicial se desenrola na 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro desde 2005. Nesse ano, a F. R. B., antiga dona do grupo, possuía participações majoritárias ou minoritárias em 26 empresas de diversos setores além do aéreo – como hoteleiro, editorial e de tecnologia, dentre outros. No entanto, apenas três de suas empresas – a V., a R.-S. e a N. – fazem parte da recuperação judicial da companhia aérea. As demais seguiram seus próprios rumos e agora enfrentam na Justiça ações de execução de valores devidos a ex-trabalhadores da V..

A A. é uma das empresas a passar por esse problema. A multinacional de origem espanhola, especializada no desenvolvimento de sistemas eletrônicos de reserva de passagens aéreas, abriu sua filial brasileira em 1999 para atuar em parceria com a V., que detinha, à época, 51% de suas ações. De acordo com Hermano Villemor, diretor da A., em meados de 2003 o percentual da V. passou a ser de apenas 8,99% do capital social da A. Isso demonstra, segundo ele, que dois anos antes de a V. entrar em recuperação judicial a A. já tinha uma vida independente da companhia aérea, o que deveria ser suficiente para que a empresa não fosse responsabilizada pela Justiça do trabalho por débitos de sua antiga acionista majoritária. No entanto, a Amadeus enfrenta hoje cerca de 180 ações trabalhistas dessa natureza – e algumas delas, já em fase de execução, resultaram no bloqueio de R$ 800 mil da conta bancária da empresa. De acordo com Villemor, a A., que opera no Brasil com uma estrutura de 120 funcionários, corre o risco de quebrar. “Imagine se formos responsabilizados por débitos com cerca de cinco mil ex-funcionários da V.”, questiona.

A P., companhia uruguaia de aviação, é outra empresa atingida. A V. chegou a deter 51% de suas ações, mas, devido à crise da brasileira, em 2005 o governo uruguaio retomou o controle da empresa e vendeu as ações ao consórcio L.I.C.., que hoje detém 75% do capital da empresa. Apesar disso, a P. enfrenta mais de 300 ações trabalhistas movidas por antigos funcionários da V., a maioria tramitando ainda na primeira instância. De acordo com o advogado Pedro Paulo Gouvêa de Magalhães, que defende a P., as ações trabalhistas envolvem funcionários de níveis salariais diversos, que reivindicam verbas referentes a recisões contratuais e reajustes salariais. Segundo ele, a V. era mera acionista da empresa, e o direcionamento da cobrança das dívidas da V. para ela põe em risco a segurança de empresas que abrem seu capital. “A Justiça do trabalho tem o hábito de ampliar o conceito de grupo de trabalho”, diz Magalhães.

Para o advogado José Alexandre Meyer, que representa a V. no processo de recuperação judicial, a quitação do débito da companhia aérea por outras empresas até poderia ter um efeito positivo para a empresa, mas seria aplicar um entendimento da Justiça do trabalho que considera “distorcido”.

Tribunais divergem sobre responsabilidade solidária

As cortes superiores ainda não analisaram a possibilidade de que empresas do mesmo grupo econômico de uma companhia em recuperação judicial tenham responsabilidade pelos seus débitos trabalhistas. Mas os tribunais regionais do trabalho (TRTs) já possuem inúmeras decisões sobre a questão. Na maioria dos casos não há um conceito pré-estabelecido para caracterizar o que seria grupo econômico, bastando – em algumas situações – que uma empresa seja detentora de ações da ré para que arque com seu passivo trabalhista. Nesse sentido já decidiram os TRTs de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Há magistrados, porém, que são mais rigorosos ao caracterizar o grupo econômico em casos que envolvem empresas em recuperação judicial. Em uma decisão do TRT paulista, concedida pelo juiz do trabalho substituto Richard Wilson Jamberg, que modificou uma sentença da primeira instância, o magistrado livrou da responsabilidade trabalhista 11 empresas que pertenciam ao grupo V., dentre as 14 rés citadas na ação judicial. O juiz levou em consideração que essas 11 empresas mantiveram suas atividades e direção autônomas da V. e não entraram na recuperação judicial, o que provaria que possuem administrações distintas. Segundo a decisão, o fato de algumas empresas terem sido constituídas pela V. ou terem participado do grupo econômico liderado por ela no passado não gera a responsabilidade solidária.

Para o juiz do trabalho Rogério Neiva Pinheiro, da 20ª Vara do Trabalho de Brasília, a origem do conflito está na diferença entre a lógica da legislação trabalhista, cuja intenção é a preservação do crédito do trabalhador, e a lógica da nova Lei de Falências, cujo objetivo é fazer com que a empresa sobreviva. Segundo ele, ao contrário do direito civil, na Justiça do trabalho não existe a separação entre a pessoa jurídica e o seu patrimônio. “A Justiça do trabalho é mais flexível na interpretação de grupo econômico, bastando a existência de algum elemento para caracterizar empresas como solidariamente responsáveis”, afirma Neiva.

Na opinião de advogados, o caso deve, em breve, alcançar o status de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (STF), e a expectativa é a de que a corte retire da Justiça do trabalho a possibilidade de definir a responsabilidade solidária quando estiverem envolvidas empresas em recuperação judicial. O advogado Roberto Rached Jorge, do escritório Mello, Dabus & Rached Advogados, defende uma companhia que concedeu um empréstimo a uma empresa que atualmente está em recuperação judicial. Ocorre que, como garantia ao empréstimo, foram concedidas ações em alienação fiduciária, o que tem feito com que juízes trabalhistas incluam a companhia como ré de ações movidas contra a empresa em recuperação. Para Rached, que tem recorrido das decisões, o raciocínio nesse caso deve ser o mesmo utilizado para a sucessão de débitos trabalhistas pela empresa que adquire ativos de uma empresa em recuperação judicial. Nesse sentido, como afirma, a vara de falências deveria ser a encarregada de definir a existência da responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico de uma companhia em recuperação. Para o advogado Tiago Cedraz, do escritório Cedraz e Tourinho Dantas Advogados, que defende a empresa Amadeus – responsabilizada em ações trabalhistas contra a antiga V. -, a decisão pela condenação solidária na condição de grupo econômico, apenas na fase de execução, sem qualquer discussão prévia na fase de conhecimento, importa em verdadeira violação ao devido processo legal. “A empresa não tem oportunidade de discutir o enquadramento e essa controvérsia deverá certamente alcançar repercussão no Supremo”, diz Cedraz.

Contexto

A chamada responsabilidade solidária – instrumento utilizado para que as dívidas trabalhistas sejam redirecionadas para terceiros além da empresa acionada – não é uma novidade na Justiça trabalhista. A definição de grupo econômico para declarar a responsabilidade solidária entre empresas está prevista no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com o dispositivo, sempre que uma ou mais empresas – embora apresentem personalidade jurídica própria – estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo um grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma de suas subordinadas.

Em 1985, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula nº 205, cujo teor evitava que as empresas fossem pegas de surpresa com condenações dessa natureza: ou seja, sem a chance de defesa na fase inicial das ações. A súmula determinava que o responsável solidário integrante do grupo econômico, mas que não participou do processo como réu e que, portanto, não constava como devedor na ação, não poderia ser incluído no polo passivo do processo de execução da sentença proferida pela Justiça trabalhista. O texto, porém, foi cancelado em 2003 pela Resolução nº 121 do TST. Desde então, a alteração tem possibilitado que magistrados do trabalho insiram empresas do mesmo grupo econômico como rés nas execuções de ações trabalhistas, com a finalidade de garantir a cobrança dos débitos, ainda que esse redirecionamento não tenha sido solicitado no início do processo.”

Fonte: AASP

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Posted By: TFSN
Last Edit: 28 jul 2009 @ 02:46 PM

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