Polícia Civil pediu registros telefônicos de contador e office boy. Investigação apura uso de procuração falsa em vazamento na Receita.
O juiz José Carlos Camargo, da 1ª vara criminal da Justiça Estadual em Santo André, no ABC, determinou que seja repassado à Justiça Federal o inquérito aberto pela Polícia Civil de São Paulo para apurar a falsificação de documentos usados para obter o acesso ao sigilo fiscal da filha do candidato José Serra (PSDB). A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo foi procurada pela reportagem e, na manhã desta terça-feira, o G1 aguardava retorno.
A decisão ocorreu após Camargo analisar o pedido feito pelos delegados para acessar os sigilos telefônicos do contador Antônio Carlos Atella Ferreira e do office boy Ademir Estevam Cabral. Ele determinou que o pedido de acesso ao extrato das ligações também seja analisado pela Justiça Federal. Segundo o juiz, “quer a falsidade (crime-meio), quer o uso do documento falso (procuração) constituem espécies de crimes contra a fé pública”. (Veja íntegra abaixo)
Atella, que assinou a procuração falsa, alega que recebeu o documento de Cabral e que retirou os dados a pedido dele. O office boy nega participação no episódio e diz que era Atella quem lhe solicitava serviços, e não o contrário.
O pedido de quebra de sigilo de dados telefônicos foi feito na semana passada. A Polícia Civil solicitou os registros telefônicos do contador e do office boy do período entre setembro e dezembro do ano passado – os dados fiscais da filha de Serra foram retirados da agência da Receita Federal em Santo André no dia 30 de setembro de 2009.
Veja abaixo a íntegra da decisão do juiz.
– Inquérito n.º 1.406/10
O pedido de quebra de sigilo dos dados telefônicos não pode ser albergado.
É que falece competência à Justiça Estadual para conhecê-lo.
Com efeito, reza o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal:
Aos juízes federais compete processar e julgar:
[…]
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Ora, quer a falsidade (crime-meio), quer o uso do documento falso (procuração) constituem espécies de crimes contra a fé pública.
Crimes contra a fé pública têm como sujeitos passivos o Estado e secundariamente a pessoa, física ou jurídica, prejudicada pela conduta.
Na espécie, o uso do documento falso atingiu serviços e interesses da União (Receita Federal).
Pertinentes, mutatis mutandis, os seguintes julgados:
Tratando-se de uso – perante órgãos federais – de documentos falsos de expedição federal a competência para apurar os fatos é da Justiça Federal” (STJ – CC 20.270 – Rel. Félix Fischer – j. 12.08.98 – JSTJ e RTRF 119/258).
Falsidade documental. Uso de documento falso com o intuito de burlar a fiscalização realizada agentes da Polícia Rodoviária Federal, que constitui serviço da União: competência do Juízo Federal (STJ, 3ª Seção, CC 41195/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 27/04/2005, DJ 22/06/2005, p. 222, LEXSTJ 191/238, RSTJ 193/478).
Nem se diga, por outro lado, que remanesceria, decotado o crime de uso, a competência estadual no tocante à falsificação.
A Súmula 122 do STJ é clara a respeito:
Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.
Ora, se a Justiça Estadual não é competente para o processo principal, corolário é que não é, também, para a cautelar de quebra de sigilo de dados telefônicos, uma vez que esta é mera antecipação de provas destinadas àquele.
Aliás, é a dicção do artigo 1º da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, que embora não trate da quebra de dados telefônicos , mas de interceptação, aplica-se analogicamente. Está assim redigido o artigo: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”
Do exposto, reconhecendo a incompetência absoluta, determino a remessa do inquérito, e a presente cautelar incidental, à Justiça Federal.
Efetuem-se as comunicações de praxe.
Int.
Sads
José Carlos Camargo
Juiz de Direito
Fonte: G1 – Globo