11 ago 2008 @ 6:39 PM 

Brasília, 11/08/2008 – “O direito de defesa hoje está assegurado no Brasil”. A afirmação foi feita pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ao discursar hoje (11), de improviso, na sessão plenária da entidade, em comemoração ao Dia do Advogado. Na ocasião, Britto enalteceu aos conselheiros federais, presidentes de Secionais da entidade e advogados a importância da edição da Lei nº 11767/08, sancionada na última semana e que prevê a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.

Em seu discurso, Britto enfatizou a luta da entidade, de diversos juristas, advogados e apoiadores da categoria no Congresso Nacional em prol da aprovação da referida lei. Segundo Britto, a luta foi no sentido de garantir intacto o direito de defesa no Brasil, direito que, segundo o presidente da OAB, não pode ser bisbilhotado e nem vilipendiado por quem é encarregado da acusação. “Em um Estado Democrático de Direito, se pressupõe a igualdade, no mínimo, entre Estado e cidadão. Em um Estado Democrático de Direito, se dúvida existir entre o cidadão e o estado, deve prevalecer o cidadão”.

Apesar de enaltecer a aprovação da nova lei e de afirmar que, a partir dela, o Brasil “passa a respirar” , Cezar Britto destacou que a batalha não está terminada. Para ele, é mais fácil mudar a lei do que mudar a mente dos autoritários. “Nós mudamos, em 1988, para uma Constituição cidadã e imaginávamos que tudo estaria resolvido porque a Carta Maior assim disciplinava. Vinte anos depois, ainda estamos aqui a discutir o direito de defesa ali expressamente assegurado”.

Britto acrescentou que não basta aos defensores do direito de defesa que se possa contar com uma nova lei. “Essa lei tem que ser carregada no coração de todo advogado, sentida, vivida, debatida porque é apenas uma etapa que agora começa”.

A seguir a íntegra do discurso proferido hoje, de improviso, na sessão em celebração ao Dia do Advogado, pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto:

“Senhoras e senhores.

Nós tivemos, até a quinta-feira passada, um bom combate. Um combate em que parecíamos ter perdido a lógica do tempo. Um debate em que parecia que estavam falando do deserto, quando falávamos que o direito de defesa não podia ser abolido no Brasil. Era impressionante como isso não convencia as pessoas. Era impressionante que o discurso de que o direito de defesa não poderia ser revogado sob a ótica de fazermos voltar no Brasil o estado policial não convencia.

No início da semana que findou, havia recomendações generalizadas para que o governo vetasse o projeto de lei 36/2007, que se tornou, ao final, a Lei número 11767/08. Várias entidades que têm a função de cuidar da Justiça se manifestaram publicamente pedindo o veto: associações do Ministério Público, da magistratura e da polícia. Também se falava nos jornais, o tempo todo, que o governo deveria vetar essa lei. Houve editorial na Folha de S. Paulo, editorial do Estadão e do Correio Braziliense.

E nós dizíamos: como pode num pode, num País democrático, se dizer que a defesa atrapalha? Como pode, em um país democrático, se dizer que o direito de defesa atrapalha o desenvolvimento, atrapalha as investigações, atrapalha o destino que queremos para o Brasil? Não nos escutavam.

Até que um dia, olhando direitinho, olhando nas suas próprias razões, se percebeu que o Brasil seria outro se tivéssemos o veto. Nós estamos vivendo um momento delicado na história do mundo e no Brasil. Porque a construção autoritária, de que só se pode ter um mundo melhor abolindo os direitos fundamentais, cresce cada vez mais forte. Ninguém poderia imaginar que nos Estados Unidos, pai da democracia moderna, se admitisse prisões clandestinas em nome da garantia de combate ao crime. Ninguém poderia imaginar que, neste mesmo país, se pudesse admitir que certos métodos de tortura sejam admissíveis no combate ao crime, quebrando princípios fundamentais como o a integridade da pessoa humana.

Princípios que fazem com que todos compreendam que tortura é crime de lesa-humanidade, mas passa-se a discutir abertamente o seu uso nos países democráticos. Quem poderia imaginar que o princípio da soberania dos povos, tão fundamental na estrutura do mundo moderno, poderia ser quebrado também seguindo a mesma lógica. Invade-se país, autoriza-se as polícias a invadir países, desde que lá exista alguém acusado da prática de um crime.

Quem poderia imaginar, em tempos modernos, que um cidadão não poderia se defender e nem escolher o seu defensor, como está se discutindo na Europa e aqui no Brasil? Quem poderia imaginar que, em tempos modernos, teríamos essa discussão?

Evidentemente que nesses tempos, em que as liberdades fundamentais são questionadas em nome de se combater um crime, um profissional passa a ser inimigo e alvo dessa teoria. O profissional que é treinado para pensar em liberdade, o profissional que é treinado para não ter medo de portões fechados, o profissional que é treinado o tempo todo para dizer: “eu não tenho medo de autoridades, nem de parecer impopular perante á opinião pública, para defender o meu ofício”,que é o profissional a advocacia.

E esse é o embate que estávamos a enfrentar. Num período de cultura autoritária que cresce forte no mundo, o direito de defesa estava e é constantemente ameaçado. E é por isso que quando falávamos do direito de defesa, encontrávamos ouvidos autoritários a escutar e não querer aceitar o argumento da razão. Era essa a razão da dificuldade. Fizemos valer toda a história dessa instituição, a construção dessa instituição. Não se pode contar a história do Brasil sem se referir a ela (OAB) com elogio.

Foi a nossa história, nossa coerência, nossa luta que fizeram convencer aqueles que teimavam em negar que o direito de defesa é fundamental, que o direito de defesa hoje está assegurado no Brasil. No passado nós conquistamos, e o presidente Busato muito feliz mencionou em seu livro, a autonomia da instituição, a autonomia da OAB perante esses mesmos investigadores de plantão. Agora conquistamos o que deve ser a razão de ser da advocacia: a autonomia do direito de defesa.

Esse direito não pode ser bisbilhotado, não pode ser vilipendiado por aquele que é encarregado da acusação. Em um Estado Democrático de Direito, se pressupõe a igualdade, no mínimo, entre Estado e cidadão. Em um Estado Democrático de Direito, se dúvida existir entre o cidadão e o estado, deve prevalecer o cidadão.

E é por isso que a partir de agora, com a Lei 11.767/08, o Brasil passa a respirar. É claro que a batalha não está terminada. É mais fácil mudar a lei do que mudar a mente autoritária de quem quer que seja. Nós mudamos, em 1988, para uma Constituição cidadã e imaginávamos que tudo estaria resolvido porque a Carta Maior assim disciplinava. Vinte anos depois, ainda estamos aqui a discutir o direito de defesa ali expressamente assegurado.

Não basta que tenhamos uma lei nova, que estabeleça exatamente o que sempre almejamos no Brasil: a liberdade de defesa assegurada. É preciso que compreendamos que foi só uma fase. Essa lei tem que ser carregada no coração de todo advogado, sentida, vivida, debatida porque é apenas uma etapa que agora começa. É apenas uma etapa em um Brasil democrático que reconhece, através da sanção, que o direito de defesa está assegurado. É por isso que eu pedi que transformássemos essa lei no símbolo de resistência do país que ainda sonha, pensa e luta para que não voltemos ao tempo do estado autoritário.

Não coincidentemente, no mesmo dia que se aprovou essa lei, o Supremo Tribunal Federal também deu uma contribuição democrática ao regulamentar o uso de algemas no Brasil. Não mais uma algema com função punitiva, não mais algemas com função de condenação moral irrevogável, mas uma algema da forma em que a Constituição ali estabeleceu: como uma exceção de prevenção à segurança do cidadão, de prevenção à segurança do agente encarregado do combate ao crime, mas não como uma pena não deferida em lei, não como algo que agride a dignidade da pessoa humana.

É a demonstração clara que, desde à Presidência da República, ao sancionar a Lei 11676/08, passando pelo presidente do STF, as instituições encarregadas de zelar pela democracia estão trabalhando para valer. É o aceno de que o Brasil efetivamente mudou.

É claro que, nessa luta, tivemos parceiros. De público, registro o agradecimento da instituição ao deputado Michel Temer – proponente do projeto de lei 36/06; ao presidente Arlindo Chinaglia (Câmara), ao presidente Garibaldi (Senado), ao presidente Marco Maciel (presidente da CCJ do Senado), que compreenderam a importância desse projeto de lei e, em regime de urgência urgentíssima, fizeram com que ele fosse aprovado. Muitos se surpreenderam com a forma com que esse projeto foi aprovado, a rapidez e a unanimidade com que foi recepcionado. Por que não há nada melhor do que fazer um projeto quando se tem a razão dos tempos a seu favor.

Agradecemos a esses personagens que lá, no momento próprio, na ocasião própria, apoiaram e aprovaram, por unanimidade, essa lei. Agradecemos ao presidente José Sarney, que lançou a sua voz de experiência no Congresso Nacional, junto com os senadores Dornelles e Valter Pereira, que esteve nesta Casa, assumiu o compromisso com a advocacia e no momento em que a sociedade parecia estar contra, induzida por essa mentira que inventaram, de que advogado é parceiro do crime, não teve dúvida e levantou a sua voz no Senado, defendendo a lei.

Agradecemos aos nossos eternos juristas – Paulo Bonavides, Celso Antonio Bandeira de Mello e José Afonso da Silva – que, no auge da crise, não se escusaram, a exemplo de outros, de externar a sua opinião favorável à livre defesa.

É por isso que registro, com muito orgulho, no dia 11 de agosto , a promessa que fiz ao vice-presidente José Alencar, quando me telefonou, na última quarta-feira. José Alencar, com seu jeito mineiro de ser, ligou para me dizer que iria sancionar o projeto. E pediu: Britto, não comemore o projeto. Não comemore porque eu estou pedindo à AMB que não comemore, para que a paz seja selada entre as instituições, essa paz que foi quebrada durante o debate público em torno da lei. Eu disse a José Alencar: eu prometo não comemorar na quinta-feira, mas no dia 11 é impossível não dizer que a advocacia brasileira tem um novo instrumento de defesa, que a advocacia brasileira é outra, a partir de agora. E ele compreendeu e disse: vocês têm razão, a advocacia é melhor quando o advogado está melhor.

Obrigado a todos e feliz Dia do Advogado.”

Fonte: OAB

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Posted By: TFSN
Last Edit: 11 ago 2008 @ 09:40 PM

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