O sistema judicial brasileiro é um dos mais complexos do mundo, com suas quatro instâncias decisórias, várias justiças especializadas autônomas (como a eleitoral) e a multiplicidade de códigos legais, que permitem uma infinidade de recursos
Um prende, o outro manda soltar. O primeiro manda prender de novo, mas o segundo decide pela liberdade mais uma vez. Os dois são juízes, um federal em São Paulo, o outro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Para a maioria dos brasileiros, virtualmente leigos nas questões da Justiça, é difícil entender as razões do cabo-de-guerra envolvendo o juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal, e o presidente do STF, Gilmar Mendes, em torno do banqueiro Daniel Dantas, preso e solto duas vezes em quatro dias.
A disputa produziu um conflito que mobilizou toda a comunidade jurídica, o governo federal, o Congresso Nacional e a imprensa. Houve ato público de desagravo ao juiz De Sanctis, apoiado por dezenas de procuradores e promotores, e até a promessa de um pedido de impeachment de Gilmar Mendes, que estaria sendo articulado por um grupo de procuradores da República de São Paulo. Já a Associação dos Advogados de São Paulo elogiou as decisões do presidente do STF “pela demonstração de firmeza e independência”.
Na visão de alguns magistrados, a maneira como Gilmar Mendes “desautorizou” as ordens de prisão decretadas por De Sanctis coloca em xeque a autonomia da primeira instância da Justiça. À crítica, o presidente do STF respondeu que os habeas corpus por ele concedidos a Dantas foram corretos e suas determinações “bem aceitas pela comunidade jurídica”.
– Compreendo que os procuradores e alguns juízes federais fiquem contrariados ou frustrados com o eventual resultado do seu trabalho, mas isso não justifica nenhuma outra medida – declarou ao jornal O Globo o ministro Gilmar Mendes, a respeito do possível pedido de impeachment.
O impedimento, na verdade, seria uma alternativa radical aventada por parte do Ministério Público de São Paulo (que pediu a prisão dos suspeitos de crimes financeiros, como evasão de divisão e fraudes fiscais, entre outros). Outra hipótese seria alegar a suspeição de Mendes no caso Dantas, pois ele criticou publicamente as ações da Polícia Federal durante a prisão dos envolvidos.
De Sanctis criticou, no ato em São Paulo, o fato de o sistema legal brasileiro permitir, como ocorreu, que um ministro do STF “possa desfazer meses, às vezes anos, de trabalho de policiais federais e procuradores que estudaram em profundidade determinado caso”.
Para entender o que levou a Justiça a demonstrar tão diversas interpretações é preciso mergulhar nos complicados meandros do Judiciário (ver abaixo).
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Fonte: Jornal do Senado