Em 1827, quando da criação dos cursos jurídicos no Brasil, foram inauguradas duas faculdades de Direito, uma na cidade de São Paulo, no convento dos padres franciscanos — razão pela qual é chamada de Faculdade do Largo de São Francisco — e outra na cidade de Olinda, junto ao Mosteiro dos monges beneditinos. A Faculdade de Olinda foi posteriormente transferida para a cidade de Recife.
A terceira faculdade de Direito inaugurada no Brasil foi a da Bahia, em 1890. Em 1927, cem anos após a criação dos cursos jurídicos, existiam menos de 30 cursos jurídicos. Hoje, cento e oitenta anos após, são quase 1.100 faculdades de Direito em todo o país.
Isto significa que o Brasil conta, atualmente, com mais de 3 milhões de estudantes de Direito, que procurarão o mercado de trabalho nos próximos anos. Somando-se a estes os 600 mil advogados hoje inscritos nas seccionais da OAB teremos, em breve, a perspectiva de 3,5 milhões de profissionais buscando um espaço para trabalhar.
Dentro desse contexto, e argumentando pelo absurdo, ou seja, admitindo que todo esse contingente de estudantes venha realmente a exercer a advocacia, o país poderá ter, em pouco tempo, um advogado para cada 51 habitantes.
O cenário parece terrível, e de fato é. Mas o que realmente assusta é que a enorme maioria dos bacharéis diplomados pelas faculdades não possuem, por força da má-formação adquirida nas faculdades, condições técnicas para alcançarem o registro na OAB.
Explico: a educação superior tornou-se o sonho de um extenso segmento da sociedade, que vê na obtenção do diploma a possibilidade de um bom emprego. Além disso, o mercado de trabalho para os que exercem atividades ligadas ao Direito ainda oferece boas oportunidades, razão pela qual os cursos jurídicos têm sido muito procurados.
Por outro lado, a instalação de uma faculdade de Direito é simples e pouco onerosa: salas, carteiras, uma modesta biblioteca e professores. Não há necessidade de laboratórios ou instalações que demandem altos custos. Apenas a autorização do Ministério da Educação.
Assim, ante tamanha facilidade, face a demanda e com vistas ao lucro fácil, começaram a proliferar, nos anos 90, um sem-número de faculdades de Direito, a maioria das quais não preenchem as condições mínimas para proporcionar ao estudante uma sólida formação jurídica e ética.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sempre participou, através de pareceres conclusivos, no que se refere à abertura de novos cursos jurídicos, mantendo inclusive uma publicação denominada OAB Recomenda, que contém informações sobre os cursos aprovados pela OAB. Atualmente, no entanto, o parecer da OAB é apenas opinativo, não possuindo mais a força cogente de outrora.
Portanto, o único mecanismo eficaz para se aferir se o bacharel possui a formação necessária para o exercício da profissão é o Exame de Ordem. O rigor que se imprime ao exame é auto-explicativo. A má-formação dos bacharéis egressos dessas faculdades deficientes impõe uma rigorosa aferição.
Notícias de jornal dão conta de que o último Exame de Ordem efetuado pela seccional do Rio de Janeiro apontou índice de aprovação superior a 50% em apenas três das faculdades de Direito fluminenses, sendo que 21 obtiveram índice inferior a esse percentual. Duas dessas faculdades não tiveram um único bacharel aprovado.
Além disso, devido ao baixo rendimento dos estudantes no Enade e dos bacharéis no Exame de Ordem, o Ministério da Educação decidiu enviar notificação a 89 faculdades de Direito do país que necessitam melhorar a qualidade do ensino para que comprovem o cumprimento das normas exigidas para seu funcionamento. Sob pena de sanções que vão da suspensão dos vestibulares e da redução do número de vagas até o fechamento dessas instituições.
Então, pergunta-se: por que essas faculdades, muitas vezes instaladas em pequenas cidades do interior dos estados, com um corpo docente sofrível, recebem autorização do MEC para funcionar?
A resposta encontra-se na mercantilização do ensino do Direito, na odiosa utilização da pretensa formação do estudante como forma de auferir lucro. Os interesses que permeiam a instalação de uma faculdade de Direito são diversos: é o empresário que visa o ganho; é o prefeito da cidade que almeja atrair contribuintes; são os comerciantes locais que vislumbram alavancar seus negócios, etc. Enfim, trata-se de uma rede de interesses que relegam a segundo plano a formação profissional do estudante de Direito.
Sabemos que o advogado é a única profissão com previsão constitucional, conforme previsto no artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
O advogado é, historicamente, o defensor das liberdades democráticas, cabendo a ele de pugnar pelo Estado de Direito. No dizer de Ruy de Azevedo Sodré, “o advogado exerce função social, pois ele atende a uma exigência da sociedade. Basta que se considere o seguinte: sem liberdade, não há advocacia. Sem intervenção do advogado, não há Justiça, sem Justiça não há ordenamento jurídico e sem este não há condição de vida para a pessoa humana. Logo, a atuação do advogado é condição imprescindível para que funcione a Justiça. Não resta, pois, a menor dúvida de que o advogado exerce função social”.
Ora, não se pode esperar do advogado mal-formado por um ensino deficiente, daquele que sequer compreende seu papel na sociedade, que exerça com altivez a independência que caracteriza o exercício da profissão; que lute pelas liberdades democráticas; que exerça integralmente o munus público que lhe foi conferido.
Ao contrário, nada mais se espera do advogado sem sólida formação ético-jurídica além de que seja um mero repetidor do Direito, um profissional que certamente fará da profissão mercancia e do escritório um balcão de negócios.
Por essas razões, entendemos que o Exame de Ordem é indispensável à profissão como elemento de pressão sobre os cursos de má-qualidade, sendo o único mecanismo eficaz para a aferição dos bacharéis qualificados para o exercício da advocacia.
Fonte: Conjur
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