Curitiba, 30/09/2011 – O editorial “Bandidos de toga” foi publicado hoje (30) no jornal Gazeta do Povo, do Paraná:
“Azedaram de vez as relações entre a cúpula da magistratura brasileira e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão auxiliar do próprio Judiciário, criado para fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. A gota d água que deflagrou a crise, já latente, foram as declarações da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, à Associação Paulista de Jornais. Sem meias palavras, a ministra disse que a magistratura hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga . Afirmação das mais sérias que ganha um tom ainda mais contundente por ter sido proferida pela titular da Corregedoria, a quem cabe receber e processar reclamações e denúncias relativas aos magistrados e aos serviços judiciários.
Mas não se limitou a ministra aos bandidos escondidos atrás da toga , criticando também os critérios para promoções, lamentando que a política e não o mérito é que define hoje o preenchimento das vagas nos tribunais superiores. Como era de se esperar, as afirmações criaram um mal-estar generalizado, a começar pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do próprio CNJ, Cezar Peluso. Em nota, o ministro repudiou o teor da entrevista que de forma generalizada ofende a idoneidade e dignidade de todos os magistrados .
Não é de hoje que se observa uma queda de braço entre o Conselho Nacional de Justiça e parte considerável dos magistrados, que através de suas associações representativas alegam que o CNJ tem extrapolado nas suas funções. O resultado dessa insatisfação é uma manifesta tendência de setores do Judiciário em limitar os poderes do Conselho, que perderia a condição de punir juízes e ficaria restrito a funções administrativas e financeiras. Caberá ao Supremo Tribunal a decisão de restringir ou não a atuação do CNJ, o que deveria ter ocorrido na última quarta-feira. Em razão do clima tenso gerado pelas palavras da ministra corregedora, a sessão acabou sendo suspensa.
Diante de uma polêmica que promete ainda muitos desdobramentos, é importante frisar o papel relevante que cumpre o CNJ na missão de zelar pela eficiência da prestação jurisdicional. Limitar sua atuação a funções meramente burocráticas é deixar de lado um poderoso instrumento de avaliação e fiscalização dos juízes, que no interesse da própria Justiça precisam desempenhar suas funções com competência, agilidade e ética. Se existem bandidos de toga, como afirmou a ministra Eliana Calmon, a obrigação é a pronta apuração das denúncias e a punição dos implicados.
As palavras fortes da corregedora do CNJ não podem simplesmente merecer reações indignadas derivadas em boa parte do corporativismo, mas servir como oportunidade a uma discussão maior em torno das dificuldades enfrentadas hoje pela Justiça brasileira. Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça não deve ser encarado como um problema que precisa ser resolvido à custa da supressão de algumas de suas principais atribuições. Preocupação, aliás, que foi externada pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, ao considerar ser um grave retrocesso a possibilidade de ocorrer uma redução no poder de atuação do CNJ. Para Ophir, o Conselho deu transparência ao Judiciário e as manobras para cercear suas prerrogativas têm como objetivo fazer novamente da Justiça brasileira uma caixa-preta”.
Fonte: OAB