Por 7 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu denúncia (INQ 2471) apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), integrantes de sua família e empresários por lavagem de dinheiro. A acusação de crime de quadrilha foi rejeitada pelo Plenário somente em relação a Paulo Maluf e sua mulher, Sylvia, em virtude da prescrição do delito.
Acompanharam o voto do relator do inquérito, ministro Ricardo Lewandowski, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ayres Britto, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e o presidente Cezar Peluso. Somente o ministro Marco Aurélio divergiu e rejeitou toda a denúncia ao reconhecer a prescrição de todos os crimes imputados a Maluf.
“Peço vênia ao relator para assentar a prescrição da pretensão punitiva quanto ao detentor da prerrogativa de foro e, a partir dessa premissa, determinar a baixa (da denúncia) à 1ª instância, para que se delibere quanto ao inquérito relativamente aos demais envolvidos”, disse.
Mesmo acompanhando o voto do relator, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes fizeram uma ressalva ao manifestarem preocupação em relação ao chamado crime antecedente, referente ao dinheiro obtido de forma ilícita na década de 1990.
“Os fatos são extremamente relevantes e é a primeira vez, salvo melhor juízo, que a Corte se depara com essa situação: fatos que antecedem a própria lei (de lavagem de dinheiro) e que, tendo em vista a permanência do crime, podem criar uma situação de efetiva retroatividade”, disse o ministro Gilmar Mendes.
O ministro Cezar Peluso fez uma ressalva “expressa” em relação à questão da prescrição do crime de lavagem de dinheiro. “Vou me reservar a reapreciar a questão no curso da ação penal. Mas por ora não vou reconhecê-la”, concluiu o presidente do STF.
Voto do relator
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que há diversos elementos que servem como indícios de provas para o desencadeamento da ação penal, com destaque para o detalhamento do caminho financeiro das alegadas propinas recebidas pelo grupo, com escalas nos Estados Unidos e países da Europa.
Em razão da idade do casal Paulo e Sylvia Maluf (mais de 70 anos), o relator votou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação ao crime de formação de quadrilha, que, porém, foi recebida quanto aos demais réus. A denúncia não foi recebida em relação à organização criminosa.
Lewandowski, que também é relator das outras duas ações penais contra Paulo Maluf, rejeitou a alegação da defesa de que a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) seria inepta em razão de sua “pretensa generalidade”. Segundo ele, o fato de se tratar de supostos crimes cometidos por meio de atuação coletiva de agentes, que teriam praticados os delitos com a colaboração de várias pessoas físicas e jurídicas, não se pode exigir que o MPF “desça a minúcias dos atos atribuídos a cada um dos denunciados nesta fase processual, sob pena de adentrar-se, desde logo, em um inextricável cipoal fático”.
Com base em elementos das ações penais em que atua como relator, Lewandowski afirmou haver indícios suficientes de que o esquema de desvio de verbas públicas operado por Paulo Maluf à frente da Prefeitura de São Paulo gerou prejuízo ao erário de aproximadamente US$ 1 bilhão, dinheiro que circulou por contas correntes mantidas pela família na Suíça, Inglaterra e na Ilha Jersey, a partir de distribuição feita a partir da conta mantida em Nova York (EUA). “Os elementos colhidos na ação penal são pródigos no tocante à presença de indícios de autoria do delito de corrupção passiva por parte de Paulo Maluf, independentemente do fato de ter sido a respectiva denúncia recebida por juiz de 1º grau”, afirmou.
O relator detalhou o suposto esquema de desvio operado especificamente na construção da Avenida Águas Espraiada, cuja obra foi executada por um consórcio formado pelas construtoras Mendes Jr. e OAS ao custo de R$ 796 milhões, mas ressaltou que os recursos obtidos por meio de corrupção passiva (crime antecedente), em tese, não têm origem apenas nesta obra.
“Havia um conjunto de empresas supostamente subcontratadas pela Mendes Jr., que durante muito tempo vendiam serviços fictos, mediante uma remuneração de 10%. É por essa razão que, aparentemente, chegou-se a mais de 900 milhões de dólares de recursos supostamente desviados. É um trabalho, não diria nem de formiguinha, mas de tamanduá, ao longo do tempo”, ironizou. O ministro qualificou como “impactante” o depoimento prestado em juízo pelo ex-diretor financeiro da Mendes Jr. Simeão Damasceno de Oliveira, no qual contou detalhes do esquema.
De acordo com o relator, há indícios de que parte do dinheiro da propina era transferida ao exterior por meio de doleiros contratados pelas próprias construtoras. Também há evidências de que, nos bastidores da Administração municipal, o filho do prefeito, Flávio, atuava para que os pagamentos à OAS e à Mendes Jr. fossem feitos rigorosamente em dia.
Questão de ordem
Antes de votar o mérito da causa, o ministro Ricardo Lewandowski suscitou uma preliminar quanto ao retorno, para julgamento do Supremo, do 5º conjunto de fatos delituosos, desmembrado pela Corte e que, atualmente, tramita na primeira instância. Os ministros colocaram em votação se essa parte da denúncia deveria ser conhecida ou não pela Corte, analisando a viabilidade do pedido.
Durante as discussões, os advogados informaram que a questão foi submetida à 1ª instância, que recebeu a denúncia. Naquela mesma instância, conforme a defesa, o processo foi desmembrado, de um lado uma denúncia específica para brasileiros e outra para um suíço também denunciado.
Por maioria dos votos (5×3), os ministros entenderam que o STF deve analisar esse grupo fático apenas em relação a Paulo Maluf, que é o titular da prerrogativa de foro. O relator votou pelo conhecimento e foi seguido pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ayres Britto e Cezar Peluso, vencidos os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que não a conheciam.
Fonte: STF