30 jan 2008 @ 1:30 PM 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 11.598/SC (2001/0088559-7)

RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP
RECORRENTE: VALKIRIO LORENZETTE
ADVOGADO: VALKIRIO LORENZETTE
RECORRIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE: KARL FRIEDRICH EUGEN STRAUSS
PACIENTE: FREDERICO WERNER STRAUSS

EMENTA:

CRIMINAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARCELAMENTO ANTERIOR À DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DO PAGAMENTO INTEGRAL. RECURSO PROVIDO.

I. Uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei nº 9.249⁄95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto.
II. Recurso provido para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Sr. Presidente, a 5ª Turma decidiu afetar o presente Recurso de Habeas Corpusà Seção para pronunciamento em razão da relevância da questão e para prevenir divergências entre as Turmas desta Seção nos termos do art.14, inciso II, do Regimento Interno, e art. 34, inciso XII.

Trata-se da extinção da punibilidade em crimes de sonegação fiscal ou de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias, em que houve divergência na 5ª Turma; parece-me que as decisões da 6ª Turma são em sentido contrário, no sentido de o acordo, entre o ente autárquico ou o estado e o devedor, ter sido efetivado antes do recebimento da denúncia, que extingue a punibilidade.

Examinei a jurisprudência da Casa e, na 5ª Turma, com a composição anterior, em que constava o Sr. Ministro Edson Vidigal, e nas oportunidades em que a composição da Turma não era integral, nos julgamentos de recurso de habeas corpus, acontecia de as decisões serem divergentes da decisão nas oportunidades em que a Turma estava com sua composição integral. Na 6ª Turma, verifiquei em alguns acórdãos da lavra dos Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Fernando Gonçalves e Paulo Gallotti, que a composição discrepava da 5ª Turma no sentido de que o acordo de parcelamento do débito era causa de extinção da punibilidade.

Este recurso de habeas corpus diz respeito a delito de sonegação fiscal, em que foi efetivado o acordo de parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia. O Tribunal de Santa Catarina não acatou a tese do paciente e o recurso de habeas corpus chegou à Turma.

É o relatório.
Em mesa para julgamento.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de recurso em habeas corpus contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que denegou writ originariamente impetrado visando ao trancamento da ação penal movida contra os pacientes, pela prática, em tese, de delito de sonegação fiscal.

Em suas razões, o impetrante sustenta, em síntese, a extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei n.º 9.249⁄95, em razão do parcelamento da dívida com o Estado antes do oferecimento da denúncia.

O cerne da questão diz respeito ao parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, e se o mesmo enseja, ou não, a extinção da punibilidade do réu.

Tenho entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar a dívida – como no caso de parcelamento do débito junto ao Estado – em momento anterior ao recebimento da exordial acusatória, afasta a justa causa para a ação penal, ainda que restando eventual discussão extra-penal dos valores.

Com efeito, o parcelamento do débito deve ser entendido como equivalente à promoção do pagamento. Dessarte, o próprio art. 14 da Lei nº 8.137⁄90 não fazia distinção se o promover seria integral ou parcelado, razão pela qual se tem como suficiente o ato de saldar a dívida – o que sobressai do próprio parcelamento.

De outro lado, o parcelamento cria nova obrigação, extinguindo a anterior, pois, na realidade, verifica-se uma novação da dívida – o que faz a equivalência ao art. 14 da Lei n.º 8.137⁄90, para o fim de extinguir a punibilidade do autor do crime.

Desta maneira, o instituto envolve transação entre as partes credora e devedora, alterando a natureza da relação jurídica e retirando dela o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civil lato sensu.

Não obstante, o Estado credor dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para satisfazer devidamente os seus créditos, pois a própria negociação realizada envolve previsões de sanção para a inadimplência.

A questão de eventual inadimplência ainda poderá ser resolvida no Juízo apropriado, pois na esfera criminal só restará a declaração da extinção da punibilidade.

Devido a tal conclusão, penso que se torna efetivamente irrelevante saber se foram pagas poucas ou muitas parcelas, pois o que interessa é que o acordo de parcelamento foi celebrado antes do recebimento da denúncia, possuindo efeito jurídico igual ao pagamento.

Dessarte, para efeitos penais, o parcelamento extingue a dívida, criando outra obrigação, razão pela qual se deve ter como efetuado o pagamento, para este fim – embora deva ser consignado que o e. Supremo Tribunal Federal não tem manifestado esse entendimento. Mas trata-se de matéria infraconstitucional e, sendo favorável à parte, não haverá recurso em habeas corpus para o Supremo Tribunal Federal, pacificando-se, nesta instância, que é a sede efetiva da interpretação da lei federal.

Não há porque o Direito Penal preocupar-se com atos que não sejam relevantemente anti-sociais, a justificar o desencadeamento da proteção punitiva Estatal – como, aliás, apregoam os modernos doutrinadores penalistas.

Ainda tenho por colacionar a promoção do i. Subprocurador-Geral da República, Eitel Santiago de Brito Pereira, exarado no Resp n.º 191.294-RS, que se adapta com precisão à controvérsia:

    “A interpretação rigorosa dos preceitos da lei penal, perseguida pelo Recorrente, não concorre para melhorar as condições de vida da sociedade brasileira. O encarceramento de empresários, pela perpetração de crimes fiscais, deve ser reservado para situações excepcionalíssimas, pois pode provocar até o desaparecimento de algumas empresas, aumentando o intolerável nível de desemprego existente na atualidade. De que adiantaria mandar para as cadeias, já abarrotadas de delinqüentes violentos, pessoas que, mesmo cometendo ilícitos tributários, exercem atividades comerciais lícitas e produtivas, absorvendo mão de obra em suas empresas? Tal providência não se justifica, nem atende aos reclamos de uma política criminal construtiva. Notadamente, se os responsáveis pela infração procuram se compor com o Fisco, providenciando, ainda que de forma parcelada, a quitação das exações devidas.”

A corroborar o entendimento, os seguintes julgados:

    “PENAL. DÉBITO TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO ANTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENUNCIA. EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE.
    1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidade prevista na Lei 9249⁄95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento” deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido.
    2. “Habeas Corpus” conhecido; pedido deferido.”
    (HC n.º 9.909⁄PE; Rel. Ministro EDSON VIDIGAL; DJ 13⁄12⁄1999)

    “RESP. DÉBITO TRIBUTÁRIO. TRANSAÇÃO. FORMALIZAÇÃO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ART. 34 DA LEI 9.249⁄95. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
    1. A transação proposta pelo contribuinte e aceita pelo Fisco, antecedentemente ao recebimento da denúncia, com vistas à extinção do crédito tributário pelo pagamento, ainda que de forma parcelada e mediante concessões mútuas, retira a justa causa para a ação penal.
    O art. 34, da Lei 9.249⁄95 fala em “promover o pagamento” e, nestas circunstâncias, formalizado bilateralmente o ajuste, com providências efetivas ao pagamento, nada impede que este se faça após o ato de recebimento da acusação.
    2. Recurso não conhecido.”
    (RESP 197.365⁄MG; Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES; DJ de 06⁄09⁄1999)

    “RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. NÃO RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS. PARCELAMENTO DO DÉBITO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
    Reiterada jurisprudência desta Corte no sentido de que o parcelamento da dívida tributária equivale a pagamento, acarretando a extinção da punibilidade do sujeito ativo da infração, nos termos do art. 34, da Lei 9.429⁄95.
    Na hipótese vertente, além de comprovado o parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, verificou-se posteriormente a quitação integral da obrigação tributária.
    Recurso conhecido, mas desprovido.”
    (RESP 184.338⁄SC; Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO; DJ de 31⁄05⁄1999)

Poder-se-ia dizer que a Lei do REFIS, a Lei n.º 9.964⁄2000, quando propicia o parcelamento do débito, mas condiciona apenas a suspensão do processo à suspensão da prescrição até o efetivo cumprimento da obrigação, que pode se dar, às vezes, em trinta anos, comete uma iniqüidade – esse tipo de suspensão do processo com parcelamento tão amplo – essa lei do REFIS – parece-me que não se aplicaria aos casos concretos ora tratados, porque mostra uma disposição, pelo legislador, de verdadeiro arrocho fiscal através da lei penal.

Neste termos, parcelado o débito antes do recebimento da denúncia, que, para fins penais, equivale ao pagamento, e aplicando-se de forma retroativa a lex mitior, que prevê como causa extintiva de punibilidade o pagamento da dívida antes do recebimento da peça inicial, correta é a declaração da extinção da punibilidade dos denunciados.

Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes.

Veja a decisão dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal, contra a decisão acima, clicando aqui…

Veja também este “artigo” em nosso website, clicando aqui.


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Posted By: SS
Last Edit: 08 fev 2008 @ 11:28 PM

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Categories: Direito, Jurisprudência, Penal


 

Responses to this post » (13 Total)

 
  1. SS disse:

    A impetração do habeas corpus em favor do empresário catarinense acima vista, versa sobre a extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal, em face do parcelamento crédito tributário, antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

    Os Tribunais Estaduais, erroneamente, com certa freqüência, entendem que o parcelamento não ilide a ação penal; para tanto, alegam que o parcelamento apenas demonstra a intenção de adimplência do tributo, não havendo a extinção da punibilidade enquanto não ocorrer o pagamento completo das parcelas.

    Em que pese tal entendimento, pouco importa se o pagamento do tributo se dá pelo parcelamento, ou pela quitação, pois a partir do momento do parcelamento o crime deixa de existir, daí o trancamento da ação penal, conforme o acertado entendimento do ilustre Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, no acordo em comento, posição, aliás, pacificada do Superior Tribunal de Justiça.

    Reza o artigo 34 da lei n.º 9.249/95, verbis:

    “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

    Vê-se, portanto, que a lei não faz distinção entre o pagamento parcelado ou integral do débito tributário. Desta forma, a lei não pode ser interpretada em desfavor do réu. Como diz um brocado jurídico: “Onde a lei não distinguiu, não cabe ao interprete fazê-lo”.

    Destaca-se do acórdão:

    “Devido a tal conclusão, penso que se torna efetivamente irrelevante saber se foram pagas poucas ou muitas parcelas, pois o que interessa é que o acordo de parcelamento foi celebrado antes do recebimento da denúncia, possuindo efeito jurídico igual ao pagamento.”

    E mais, se a Fazenda Pública aceitou o parcelamento, o dolo (vontade de praticar o crime) deixou de existir, assim, não existindo, em matéria tributária, crime culposo, mister se faz a extinção da punibilidade. Ou seja, a transação entre as partes modifica a relação jurídica e retira seu conteúdo punitivo.

    Por outro lado, ainda que o parcelamento ocorra após o oferecimento da denúncia, o crime deixa de existir, pois, repita-se, a lei não faz distinção entre pagamento integral ou em parcelas.

    Neste caso, com o parcelamento, houve novação da dívida anterior, sendo assim, aquela deixa de existir. O parcelamento cria nova obrigação e extingue a anterior. Agora, a exigibilidade passa a versar sobre as parcelas vincendas. Portanto, pergunta-se: qual a materialidade do crime de sonegação fiscal?

    Desta forma, a disposição contida no artigo 9º da lei n.º 10.684/03, onde o parcelamento realizado após o oferecimento da denúncia suspende a pretensão punitiva do Estado, encontra-se em flagrante dissonância com o ordenamento jurídico vigente, pois, na verdade, o pagamento realizado (integral ou parcelado) após o oferecimento da denúncia não enseja a tipificação penal punível, nos termos da lei.

    Diga-se, ainda, que se houver inadimplemento (rompimento do acordo) antes ou depois da denúncia do Ministério Público, tal ato deve ser resolvido perante o juízo tributário e, não, penal. E mais, tendo em vista que a lei não fixa limite aos pedidos de parcelamento, sua aceitação depende exclusivamente da vontade do credor, observando-se, apenas, a razoabilidade.

    O Direito Penal deve se preocupar em reprimir fatos relevantes para a sociedade (violência nos grandes centros, por exemplo). Mera impontualidade no pagamento do tributo, com a boa vontade do devedor parcelar o débito, deve sempre ser interpretado favoravelmente ao contribuinte faltoso, sobretudo em um país com elevada carga tributária, como no Brasil.

  2. SS disse:

    Aliás, vale a pena lembrar os ensinamentos do insigne penalista Heleno Cláudio Fragoso:

      “A prisão constitui realidade violenta, expressão de um sistema de justiça desigual e opressivo, que funciona como realimentador. Serve apenas para reforçar valores negativos, proporcionando proteção ilusória. Quanto mais graves são as penas e as medidas impostas aos delinqüentes, maior é a probabilidade de reincidência. O sistema será, portanto, mais eficiente, se evitar, tanto quanto possível, mandar os condenados para a prisão nos crimes pouco graves e se, nos crimes graves, evitar o encarceramento demasiadamente longo.”

    (Heleno Cláudio Fragoso, in “Lições de Direito Penal – A nova parte geral”, Rio de Janeiro, Forense, 13a. ed. 1991, pág. 288)

  3. TFSN disse:

    Veja também esses outros dois julgamentos do ano de 2006, referente ao tema.

    AgRg no REsp n.º 434.199/SCMinistro Hélio Quaglia Barbosa – Clicando aqui…

    RHC n.º 19.120/RJMinistro Gilson Dipp – Clicando aqui…

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